As sementes da República brasileira já estavam plantadas pelo menos um século antes da sua proclamação oficial em 1889. Em silêncio, eram semeadas nas reuniões dos inconfidentes mineiros através dos manuais estrangeiros que por ali circulavam, trazendo do Norte a notícia de uma recém promulgada “bill of rights” estadunidense.
Sufocados em Minas, os sussurros do Norte não tardaram a soprar na Bahia, espalhando pelas ladeiras da antiga capital da colônia o conto francês de uma revolução liderada por sans-cullotes - os trabalhadores de calças compridas que haviam cortado a cabeça de um Rei. A conjuração baiana, também conhecida como “dos Alfaiates”, foi debelada em 1798, quando outra revolução – a haitiana – ameaçava plantar revolta também entre os escravizados.
Mais tarde, em 1817, brotos revolucionários despontaram com força em Pernambuco e tomaram os palácios, inaugurando na Capitania uma nação insurgente que viveria por 75 dias na forma republicana. Embora seus artífices tenham sucumbido na corda ou na baioneta, um movimento independentista já se fazia presente em toda a rica província, no território que hoje engloba partes do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Tamanho fora o desafio imposto pelos “Confederados do Equador” a Dom Pedro I que este se viu obrigado a tomar empréstimos com a Inglaterra para contratar mercenários. Em 1824, centenas caíram em batalha, dezenas foram executados e grandes partes do território pernambucano foram desmembradas em punição pela rebeldia.
Em 1831, Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro deixando um território integral, mas tão logo a regência assumiu vieram novos conflitos de inspiração republicana, sendo o maior destes a Guerra dos Farrapos. O movimento revolucionário teve início na província de São Pedro do Rio Grande do Sul e resultou, em 1836, na sua declaração de independência, dando origem às Repúblicas Rio-Grandense e Juliana, esta última em Santa Catarina. Por quase uma década, os farroupilhas resistiram às constantes investidas do Império e contaram com divisões formadas por negros e indígenas, que lutavam sob o ideal republicano da igualdade. Mas ao final veio a trégua, com um saldo de quase 50 mil vidas perdidas por ambos os lados, legalistas e revolucionários.
Entre outras batalhas e escaramuças menos vultosas, entre fatos e lendas de valentia e heroísmo, o fato é que o ideal republicano vicejou no Brasil por muito tempo, erguendo uma floresta impossível de ser contida pela cada vez mais combalida fortaleza imperial. O ímpeto modernizante do Segundo Reinado e a postura mais liberal de Pedro II conseguiram aplacar os conflitos internos, mas a consolidação institucional das Forças Armadas e sua preponderância cada vez maior nas decisões políticas tornou-se incontornável. A vitória na Guerra do Paraguai (1864 – 1870) não foi uma vitória somente do Império, mas de um novo estamento que despontava através de parcerias com Estados republicanos e federalistas: França e Estados Unidos.
Após a Guerra, o então governador do Rio Grande do Sul, Marechal Deodoro da Fonseca, concentrara grande prestígio entre os militares ao dar voz ao inconformismo desta classe com os baixos soldos e aposentadorias. Em 1887, foi escolhido como o primeiro presidente do Clube Militar e mudou-se para o Rio de Janeiro, posição na qual controlava todos os movimentos do Visconde de Ouro Preto, o presidente do Conselho de Ministros de Dom Pedro II. Ali, Deodoro contava ainda com a colaboração do Marechal Floriano Peixoto, instalado como o ajudante-general do gabinete do Visconde.
Logo o Clube Militar se tornou um veículo de conspiração e pressão política, de onde se denunciava a corrupção e o despotismo da Corte, a interferência do imperador nos assuntos da Igreja Católica, a crise econômica pelas despesas da Guerra, o analfabetismo e a necessidade de modernizar as instituições do país. Através da imprensa, exaltava-se a filosofia positivista e a memória das revoltas e revoluções republicanas, tanto internas quanto externas. Preparava-se um golpe.
Por trás dos protestos militares, havia também a insatisfação de grandes senhores rurais, que por sua vez já conspiravam contra Dom Pedro II desde 1850, quando este proibira o tráfico negreiro e deixara clara sua inconformidade pelo Brasil ser a última nação ocidental a admitir a escravidão.
Antes da Lei Áurea, Pedro II havia promulgado a Lei do Ventre Livre em 1871, libertando os filhos dos escravos, e em 1855 a Lei dos Sexagenários, com a qual libertava os escravos com mais de 65 anos. Dos 1,6 milhões de escravos registrados na matrícula geral de 1872, este número caíra para 720 mil na matrícula de 1887, a última realizada. A Lei Áurea assinada por Dona Isabel do Brasil em 1888 punha fim ao modelo que a própria côrte criara para sustentar o projeto colonial, dando fim, por consequência, a uma antiga aliança econômica com o setor produtivo.
"Vossa Alteza libertou uma raça, mas perdeu o trono", disse o Barão do Cotegipe no ato da assinatura. "Mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para libertar os escravos do Brasil", respondeu a Princesa Isabel, que pelas tantas ainda tentava convencer Dom Pedro II a pagar, com recursos do Banco Mauá, uma indenização aos senhores oligarcas por cada escravo liberto. A economia não ia mal, a inflação média neste período era de 1,2% ao ano, de modo que Dom Pedro II entendeu que não havia como nem por que pagar esta conta aos escravagistas. Que lhe custasse o trono, então.
O liberalismo do velho monarca era tamanho que permitia a circulação de jornais que só existiam para atacar a Monarquia, como o jornal A República. Dom Pedro II impedia pessoalmente a censura à imprensa ou a perseguição até a quem conspirasse abertamente contra ele. A Maçonaria ficava dos dois lados, enquanto os quartéis se assanhavam para um golpe.
No dia 15 de novembro de 1889, o tenente-coronel Benjamin Constant treinava os alunos da Escola Militar, na Praia Vermelha, quando recebeu um boato de que o Visconde de Ouro Preto havia ordenado a prisão de oficiais conspiradores. Em reação imediata, partiu dali com os capitães, tenentes e alferes que precipitaria o movimento golpista. Embora o momento não fosse o mais propício para a derrubada da Monarquia, o Marechal Deodoro da Fonseca se empolgou com o ímpeto dos jovens cadetes e tomou a frente da marcha. Reuniu-se com uma pequena uma facção do Exército no Quartel-General no centro da capital do Império, sem participação popular, e subiu com dificuldade num cavalo, erguendo o chapéu pro alto e proclamando, enfim, a República do Brasil.
Não havia um sentimento de consenso pela República. Grande parte do exército era republicano, mas a Armada era majoritariamente monarquista. O povo, atônito, que só conhecia a monarquia, ouvia falar do golpe, sem entender o que isto significava. O exército, temendo uma reação na capital, onde o imperador era querido, engendrava uma apressada operação para as primeiras horas do dia 17 de novembro, quando despachariam Dom Pedro II com sua família para a Europa. Para nunca mais voltar, eles seguiram no porão do navio Alagoas, que hasteava a primeira bandeira republicana brasileira, idealizada pelo positivista baiano Rui Barbosa. Era uma imitação da bandeira norte-americana, de estrelas e listras, apenas trocando as cores. Esta bandeira vigorou tão somente por cinco dias.
Sem projeto de nação, os militares que puseram abaixo o Império fizeram do Marechal Deodoro da Fonseca um presidente da República provisório. Confirmaram-no no cargo em uma eleição indireta, sem voto popular, na Constituição Republicana, em 1891. O texto ditado pelas oligarquias golpistas, além de decretar expressamente o banimento da Família Real, separava os três poderes e afastava a Igreja do Estado, seguindo a cartilha iluminista. Instituía, ainda, a permissão de uso privado do património público, meta a ser alcançada com as eleições para os governos através de voto “descoberto” (não secreto), exercido pelos maiores de 21 anos e proibido às mulheres, aos soldados rasos, analfabetos, indigentes e membros do clero.
O modelo de governo implantado foi uma cópia do modelo estadunidense, federal e presidencialista, mas com uma formatação positivista. As elites e as forças militares, sem a participação do povo, moldaram para a federação brasileira uma fórmula que consagrava a burocracia estatal e dava ainda mais sustento ao velho modelo colonial de exploração. O objetivo era o de concentrar o poder no Executivo, fragilizar a representação popular no Legislativo e vincular o Judiciário. Assim, em lugar de se firmar no federalismo, a República fez crescer o centralismo e a desigualdade entre os entes federados.
O centralismo positivista republicano se apresentou nos seus defeitos desde o primeiro governo. O ministro da Fazenda, o notável Ruy Barbosa, financiava o governo do Presidente-Marechal Deodoro através da simples emissão monetária. O dinheiro acabava desviado do financiamento à produção e era aplicado em ações de empresas fantasmas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Rui queria colocar o Brasil no rumo da industrialização, mas em troca conseguiu o encilhamento – queda acintosa da moeda e centenas de falências.
Deodoro foi acusado de ilegalidades em meio ao confronto entre republicanos positivistas e liberais. Tentando criar uma lei de responsabilidade, o Congresso Nacional inaugurou a possibilidade de impedimento do presidente, ao que Deodoro imediatamente mandou fechar o Congresso e prender os líderes da oposição. Os trabalhadores entraram em greve no Rio, e o almirante Custódio de Melo, inimigo de Deodoro, posicionou navios da Esquadra Naval na Baía da Guanabara e apontou os canhões para a cidade. Deodoro renunciou após nove meses no cargo, dando lugar ao vice-presidente Floriano Peixoto e sedimentando aquela que seria conhecida como a República da Espada.
As guerras-civis que vieram adiante fizeram desta primeira República uma reedição do primeiro Império sob a ótica do sangue. A Revolução Federalista e a Revolta da Armada foram exemplos do esforço do “Marechal de Ferro” para conter o descontrole provocado pelo golpe republicano e impedir, outra vez mais, o esfacelamento da nação. Assim como Pedro I, Floriano foi bem-sucedido, mas o legado político-institucional desta aventura iniciada por Deodoro seria um dos mais controversos da nossa história, sendo interrompido somente quarenta anos depois por uma nova revolução, esta de fato Nacional.
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