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1964 e as vestes rasgadas da nação


Texto em homenagem ao Presidente João Goulart, que completaria 104 anos em 1º de Março


O quadro abaixo, construído em cima do PIB nominal, e que coloca o Brasil em 12º lugar e atrás do Irã é afetado pelas taxas de câmbio. No Irã, a moeda é mantida supervalorizada, mais ou menos como fazíamos com o câmbio na Era Fernando Henrique Cardoso. Se a medição for realizada pelo PPP [paridade de poder de compra], a República Islâmica cai para a 20ª posição, com PIB que não chega à metade do brasileiro [o 8º nessa escala].



Mas isso não é suficiente para esconder a estagnação brasileira. Nossa defasagem tecnológica tem aumentado frente aos países do Norte Global. A economia perde complexidade, e a participação do país no PIB e na indústria globais cai de forma acelerada. Há quatro décadas crescemos abaixo do ritmo da economia mundial


E ainda temos o grave problema da distribuição de propriedade e de renda, um cancro para o qual não oferecemos nenhuma solução, e que ainda é mascarado por uma esquerda que se apega ao dogma identitário de que democracia significa acirrar o conflito entre os pobres para que disputem o maior número de migalhas que cai da mesa cada vez mais abarrotada da Faria Lima.


Nas próximas semanas, a mídia corporativa vai se encher de matérias propondo análises e reflexões sobre o regime civil-militar inaugurado em 1964. Como ela se abraçou à tese da Frente Ampla agora no poder de que o governo atual é resistência possível a um terrível conluio que visa repetir a "ditadura dos generais", é de se esperar que o tom das reportagens seja o da partidarização e o da pura propaganda do sistema vigente, disfarçada sob a máscara da responsabilidade e defesa da "democracia" com que os grandes veículos gostam de ocultar seus próprios interesses e papel.


Mas o período inaugurado com a derrubada do Presidente João Goulart deveria nos fazer pensar de forma mais abrangente e ousada no fracasso da geração que conduziu a abertura política e construiu a Nova República. Ela prometia uma era de democracia, de combate à dívida social, de participação popular nos frutos do trabalho e nas decisões do governo. Quarenta anos depois, depende de apoios internacionais e da concentração de poderes na corporação do Estado da vez [o Judiciário, o STF] para impedir a derrocada do mundo construído pela Constituição de 1988, ameaçado por sua própria fragilidade ideológica e pela crise de legitimidade.


É imprescindível que a elite da Nova República reconheça o quanto antes o fracasso econômico, social, político e ideológico ao qual nos conduziu. É o único passo patriótico e democrático possível. O Presidente Lula, figura indissociável do processo de esgarçamento das últimas décadas, tem as chaves para esta reflexão. Elas estão na entrevista que conferiu ao economista e historiador Ronaldo Costa Couto, em 3 de abril de 1997, e que consta do livro ''Memória Viva do Regime Militar'':


“Eu acho que a gente tem de dividir o regime militar entre a intenção dos militares que deram o golpe em 1964 e aquilo em que ele se transformou depois o golpe, a revolução. Pois eu acho que houve uma deformação. Agora, com toda a deformação, se você tirar as questões políticas, as perseguições e tal, do ponto de vista da classe trabalhadora o regime militar impulsionou a economia do Brasil de forma extraordinária. Hoje a gente pode dizer que foi por conta da dívida externa, 'milagre' brasileiro e tal, mas o dado concreto é que, naquela época, se tivesse eleições diretas, o Médici ganhava. É o problema da questão política com as outras questões. Se houvesse eleição, o Médici ganhava. E foi no auge da repressão política mesmo, o que a gente chama de período mais duro do regime militar. A popularidade do Médici na classe trabalhadora era muito grande. Ora, por quê? Porque era uma época de pleno emprego. Era um tempo em que a gente trocava de emprego na hora em que a gente queria. Tinha empresa que colocava perua para roubar o empregado de outra empresa. [...] Eles estabeleciam planos, coisa que nós não temos há muito tempo. O Brasil vai do jeito que Deus quer. E os militares tiveram, na minha opinião, essa virtude. [...] Tinha uma proposta de país. Com uma coisa nacionalista, que eu acho importante. Que nós perdemos. Que nós perdemos, não. Que o governo perdeu.” [...]


Lula se refere ao nacionalismo, desenvolvimentismo e pleno emprego que existiam então. Estes elementos estavam igualmente presentes no movimento político-ideológico derrubado pelos Generais e seus aliados, o Trabalhismo. O regime sacrificou a democracia social em prol destes objetivos, rasgando a túnica proposta ao Brasil pelo getulismo, uma túnica que foi tecida em uma peça só, sem costuras. A Nova República retalhou ainda mais estas vestes por meio do neoliberalismo e do colonialismo mental identitário, e por isso não conseguiu oferecer uma alternativa viável a 1964. Apenas deu continuidade à obra de sacrifício, crucificação e morte do povo brasileiro, ainda que sob um signo de "modernidade" e de "progressismo".


Para encerrar o ciclo de 1964, é necessário reconstituir as vestes rasgadas do Trabalhismo, que implica não só em participação popular real e igualdade econômica, mas na visão de um país poderoso em termos produtivos, original em termos culturais, e comprometido com o horizonte de grandeza nacional. Até lá, não importa quão bonitas sejam as frases e matérias sobre a necessidade de democracia. O Rei vai continuar nu.



PÃO, TERRA, TRADIÇÃO!

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