O governo atual proibiu a comemoração do golpe de 31 de março de 1964, uma prática de memória que se tornou tradicional entre os militares e em parte minúscula da sociedade civil – convém lembrar que o regime implementado não foi uma mera imposição dos quartéis, mas teve apoio amplo das elites e da classe média.
Mas, movidos por um justo repúdio às políticas dominantes na Nova República, alguns núcleos do nacionalismo popular também têm caído no erro de incentivar uma memória falsa e idealizada do período.
Ainda que seja possível destacar positividades na ditadura, particularmente no desenvolvimento do parque industrial, ela tem também parcela considerável de responsabilidade no agravamento de alguns dos maiores problemas nacionais, incluindo erros que podem ser considerados imperdoáveis.
E, definitivamente, não se tratava de um regime trabalhista.
Pelo contrário, o golpe aconteceu pela incapacidade de reacionários e lacaios do imperialismo suplantarem o ímpeto eleitoral do Trabalhismo. Com apoio da CIA – em um cenário internacional em que as duas superpotências decidiram intervir de modo mais direto na política de suas áreas de influência imediata –, os antigetulistas derrubaram Jango e demonizaram Brizola, que foram rotulados, em maior ou menor grau, de ''comunistas'', ''subversivos'', ''demagogos'' e partiram para o exílio para não serem presos, torturados e mortos.
Na verdade, não fosse o ato político heroico de Getúlio, em 1954, os reacionários vendidos ao Imperialismo teriam conquistado o poder dez anos antes, já na esteira da infame República do Galeão, canceroso porão de entreguismo e tortura aberto de forma vexaminosa no coração da República.
O objetivo dos inimigos do Trabalhismo era evidente: industrializar o país e fazer ''o bolo crescer'' sem, no entanto, construir uma Democracia Social. Para tanto, o Desenvolvimentismo se abraçou à internacionalização da economia, doando os setores mais dinâmicos para as multinacionais, evitando confrontar os interesses norte-americanos durante a Guerra Fria, e permitindo a hiper exploração dos trabalhadores a um custo que podemos contemplar hoje: o país enriqueceu, mas o povo passou a viver em meio à favelização de metrópoles inchadas por um dos maiores êxodos rurais da História conhecida, sem garantia dos mínimos serviços essenciais de educação, saúde, saneamento, transporte etc., em uma sociedade que bateu recordes de desigualdade de renda e propriedade. De tão espoliados, os brasileiros passam fome amontoados em "ocupações ilegais", sem possibilidade de pagar o terreno em que vivem, enquanto uma ínfima classe média mantém práticas escravistas.
Nessas cidades-favelas a céu aberto, o regime civil-militar permitiu que a polícia e o oficialato inferior das Forças se envolvesse com o crime organizado, o contrabando na fronteira e o narcotráfico internacional, originando um Narco-Estado cujos tentáculos dominam grande parte do território, dita regras políticas, controla setores da economia e erige seu poder em cima de montanhas de cadáveres em uma guerra civil sem trégua país afora.
Para completar a calamidade, o regime não teve nenhum projeto cultural sistêmico exceto a propaganda inócua de um Brasil grande enquanto um povo esfomeado crescia abandonado ao lado de valas de esgoto. O papel das universidades foi deturpado, a mídia de massas foi entregue à Rede Globo e a Sílvio Santos, as pernas da nação foram abertas sem dó nem piedade para a indústria cultural ianque.
Geisel foi um Presidente de boas iniciativas, mas governou em meio a um pântano e a um esquema de poder que NÃO DEVERIA ter existido, e que sabotou as melhores possibilidades dos 1930/1960.
O 31 de março de 1964 é na verdade um imenso 1º de abril. Porque o nacionalismo do regime civil-militar também era um nacionalismo de mentira. E desde a derrubada de Jango, o Brasil não saiu do Dia da Mentira inaugurado pelo General Olímpio Mourão Filho.
Eis aí os fundamentos da memória que os Trabalhistas devem ter sobre o regime civil-militar, erguido contra o getulismo, contra o brizolismo, e contra o povo.
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