A Rússia é um país amigo do Brasil. Sempre tive simpatia por ela, e isso vem desde os anos 1980, quando eu também nutria alguma simpatia pela União Soviética - pelo simples fato dela rivalizar com os EUA. Além disso, sou cristão ortodoxo, o que me leva, pessoalmente, a admirar muito a história espiritual russa e acreditar e torcer pelo futuro do país. Mas é só isso. A Rússia não é exemplo para o Brasil em praticamente nada. Não é um modelo viável para nós, nem em termos históricos e muito menos sob o governo Putin.
Em termos culturais e de horizontes mentais, a Rússia é extremamente diferente do povo brasileiro. Nós, brasileiros, somos mil vezes mais parecidos com a Angola, Portugal, Itália, Cuba, Colômbia e até mesmo certas áreas católico-romanas dos EUA do que com a Rússia. A Rússia é outro mundo humano.
A própria formação do Estado russo é também completamente diferente, tanto em termos de dinâmica das relações interétnicos quanto na relação com a população. O masoquismo deles em relação ao próprio Estado é de uma intensidade inimaginável para o brasileiro, e inimaginável até mesmo para quem, como eu, preferia que o Brasil tivesse um Poder Executivo bastante forte.
Além disso, há um militarismo na mentalidade russa que é francamente incompatível com nosso povo. O Brasil nunca teve essa ênfase guerreira, expansionista, espartana etc - sobretudo em termos putinistas. Somos forjados de outra maneira.
Boa parte da esquerda, que tanto fala de ''colonialismo mental'', gosta mesmo é de de procurar referências alienígenas para pensar o Brasil. Hoje costuma ser a norte-americana, mas, durante muito tempo foi a russa. Isso se deve à Revolução Bolchevique, que descortinou horizontes para o marxismo e fez o movimento comunista acreditar que poderia conquistar o planeta durante o século XX. A Guerra Fria foi praticamente um desdobramento dessa crença [falo da esquerda em termos gerais, é óbvio que existiram nuances].
Notem que há, até hoje, uma valorização incompreensível de figuras como Olga Benário, uma agente internacional que trabalhou para dar um golpe no nosso governo sob influência estrangeira e ainda esteve envolvida no assassinato de compatriotas em pleno território brasileiro. Só um certo colonialismo mental bolchevique, oriundo do apreço pelo antigo movimento comunista internacional, pode justificar que alguém mantenha essa ladainha. Assim, alternando entre EUA e Rússia, temos dois tipos diferentes de vira-latismo.
Como eu dizia, a Rússia é um país amigo, admirável em diversos aspectos, e um possível aliado em outros tantos. Mas não tem a mínima condição de ser modelo para o Brasil: é distante demais, tem outra formatação social e cultural, e problemas bem diferentes. E nenhum patriota brasileiro, evidentemente, tem obrigação alguma de apoiar seus projetos locais (ou globais) irredentistas.
Pra terminar, o projeto de certos ideólogos russos de liderar uma revolução mundial contra os EUA é míope. A Rússia não tem a mínima condição de exercer esse papel. É um tipo de saudosismo sem o mínimo lastro na realidade. Não tem condições econômicas, militares, ideológicas, políticas.
Imagina as lideranças do Partido Comunista Chinês ou os nacionalistas indianos ou ainda as turuq turcas lendo ideólogos russos dizendo que vão liderar uma revolução mundial e que a Rússia tem de ser modelo para A ou para B... Devem cair na gargalhada, olhar pro sujeito com aquele ar condescendente, e tentar manipulá-lo ao máximo para seus próprios interesses. Qualquer outra atitude seria risível. O Brasil, por sua vez, não pode, tampouco, ter uma atitude patética.
A Rússia faz bem em tentar sobreviver ao cerco da OTAN e ao crescimento de China, Índia, Turquia, Irã etc., e de buscar se garantir como um pólo regional importante no mundo multipolar nascente. [Embora nem tudo o que ela faça nessa tentativa seja bom, como vimos na invasão desastrada à Ucrânia.] Mas isso é tudo. Imaginar alguma coisa além disso é viver no reino da fantasia.
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