A nova direita brasileira nasceu em junho de 2013, quando as Jornadas de Junho saíram de controle. Isso todo o mundo parece saber. O que ninguém sabe é que ela já morreu. Isso aconteceu em 30 de outubro de 2022, quando a derrota de Bolsonaro foi anunciada.
Os meses que se seguiram até a posse de Lula foram o longo e triste cortejo fúnebre de um projeto que viveu como morreu: confuso e apavorado. Nessa metáfora, o 8 de janeiro não foi nada além da missa de sétimo dia. Seja como for, o veredito é esse: o projeto da nova direita acabou, como acabou em toda a América Latina. A “onda conservadora” veio e passou, nada tendo criado e muito tendo deixado a desejar.
Mesmo assim, o que se vê nas Municipais deste ano é que ainda há muito fiel ao projeto da direita. As eleições para a prefeitura de São Paulo são o que melhor demonstra como certa fatia dos pensadores políticos vêem a coisa: Boulos é a esquerda — que não pode triunfar de modo algum. Ricardo Nunes, até pouco tempo, era a direita. Mas aí veio Pablo Marçal, que, em vez de ser um Dom Quixote, na realidade continua a chama daquela direita mais exuberante que existia até a facada de 6 de setembro de 2018. Aquela do “Dá que eu te dou outra”.
Assim, surge um raciocínio do seguinte tipo:
Nunes não é o direitista, Marçal que é;
O voto em Nunes — que não é o direitista — é um voto em Boulos;
Isto porque Marçal é o direitista que pode derrotar Boulos.
De forma que a performance da pessoa passa a ser a sua ideia. “Veio o visível primeiro, depois o palpável”. O visível é a performance; o palpável é o nome Marçal. A performance recorda as grandes performances dos direitistas de antanho. Agitar uma Carteira de Trabalho na cara do Boulos. Essa é a marca do direitista. Deixar os outros incomodados.
Mas agitar uma CLT é coisa que outra pessoa fez no passado: João Dória. E o fez para outro bicho-papão da direita: Lula. Dória, o tempo revelou, seria um antagonista. As coisas estão confusas, agora. Onde e quando e quem é o direitista?
O verdadeiro direitista pode se levantar?
Na minha perspectiva, apenas uma coisa marca o que seria um “direitista” no Brasil. É simplesmente sua oposição à esquerda aliada a uma maquiagem mais ou menos fiel do que se faz em certas alas do Partido Republicano dos Estados Unidos. Mas o mais importante é a oposição ao esquerdismo, seja da maneira que ela vier.
É fácil saber de onde isso vem. Vem de Olavo de Carvalho, o fundador e mistagogo do direitismo no Brasil.
Apesar de existir antipetismo — aquele elemento que alguns comentaristas falaram tanto que era o motivo do voto em Bolsonaro nas Gerais de 2018 — no Brasil desde o dia em que Lula subiu a rampa do Planalto pela primeira vez, foi Olavo quem deu vocabulário e cadência lógica à rejeição sincera que parte dos eleitores sentiam à figura da esquerda. Uma rejeição que se tornou mais aguda, sincera e urgente quando o projeto de esquerda latino-americana — um projeto trabalhista e nacionalista, ainda um esquerdismo clássico — colapsou no início dos anos 2010.
Em seu lugar, veio o identitarismo, puxado pela facilidade com que a Internet permite com que idéias circulem hoje em dia. Junto a isso, foi apenas na década passada que o capitalismo global conseguiu tornar mercadejável o progressismo dos setores mais radicais da esquerda americana. O acesso franco (liberal) das classes C, D e E à mídia global, representado pela Netflix e YouTube, faz com que alguém numa cidade como Bacabal, MA, possa emular a última novidade ideológica filtrada como objeto de desejo de consumo numa série. Interior e capital hoje são um único borrão indistinto de consumo.
Em contraponto às alucinações do capitalismo global, Olavo de Carvalho falava bem categoricamente que “Provar que um esquerdista está errado não significa nada. Você tem é de mostrar como ele é mau, perverso, falso, deliberado e maquiavélico por trás de suas aparências de debatedor sincero, polido e civilizado.” (“Como debater com esquerdistas”, 20 jun 2007). E você sabe porque ele é mau, perverso e falso? Porque ele gosta de Paulo Freire, cujo socio-construtivismo causa lesão cerebral! E é a isso que seu filho é exposto quando ele entra naquela universidade federal cuja aprovação você comemorou!
É esse o único motivo pelo qual Marçal, ou qualquer outra pessoa que goze com a cara de um Boulos, é o candidato da vez. E é por isso que a carroça da direita cai da ribanceira toda vez que um dos seus é eleito. Ele chega ao cargo e não sabe o que fazer. Logo o sistema, que é muito mais do que “a esquerda”, o mastiga. E como ele não é nem quente e nem frio, o vomita.
É que não existe identidade positiva para o direitista brasileiro. Sua identidade é puramente reativa e antagônica: ele só precisa se opor à esquerda. Não era esse o slogan de Bolsonaro? “Eu vou acabar com isso que está aí, ’tá OK?”
Não acabou! Tem que acabar!
Esse projeto de ideologia têm uma série de conseqüências desastrosas para pessoas de inspirações mais “tradicionais”, por falta de palavra melhor. O americanismo é só uma delas, mas é bom exemplo, porque, em suas versões mais extremas (como aquela que acomete Eduardo Bolsonaro) fazem com que se peça que os Estados Unidos emitam sanções contra o Brasil, gerando uma espécie de identitarismo negativo que prende as pessoas a uma idéia como o louco à camisa-de-força.
Mas o problema maior é que a falta duma configuração legítima de um pensamento de caráter “conservador” deixa o Brasil sujeito a qualquer tipo de temporalidade. Não apenas estaremos sempre sujeitos à “pessoa da vez” (qualquer um que apareça irritando alguém de esquerda) como também estaremos presos a facções intra-ideológicas. O exemplo mais explícito disso é a Jovem Pan, que quase todos os dias põe duas pessoas, Mano Ferreira e Felippe Monteiro, para se digladiar com base numa diferença muito prosaica: um é economicamente liberal e o outro não.
Um pensamento que queira bater de frente com o progressismo não pode ser tão refém da trivialidade e da circunstancialidade. Nas suas atuais configurações, o direitismo brasileiro tem que ser destruído, dando origem a uma intelectualidade mais robusta e politicamente ágil em seu lugar.
E muito menos dependente da “esquerda” para poder existir.
Victor Bruno é autor de René Guénon Revelado (2023) e A Imagem Estilhaçada (2020). Também mantém a newsletter Cartas da Tradição.
As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria
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