O mundo moderno não evoluiu a ponto de diluir os Estados nacionais. Ele permanece sob a ordem em que, nas delicadas transações do ambiente internacional, os interesses dos países determinam suas agendas e performances. Os interesses refletem valores, hábitos, tendências e urgências de suas comunidades nacionais, e a vida de cada comunidade pulsa no corpo de suas instituições. Portanto, uma posição política realista precisa ser, em primeiro lugar, nacionalista, e uma posição nacionalista precisa ter, no topo de suas prioridades, um compromisso institucional.
Presentes em todos os domínios sociais, as instituições são os artefatos de organização da coexistência humana. Elas não fundam um domínio social, mas articulam e plasmam o convívio humano em seu interior, instaurando a legitimidade e normatizando a conduta, determinando quando coibir e quando encorajar alguém a fazer alguma coisa. Tendo origem espontânea ou deliberada, elas refletem toda a sorte de elementos de um imaginário social acumulado historicamente.
No período protagonizado pelos Estados nacionais, as instituições resultam de três tipos de procedimento: (a) formulações originais das próprias comunidades ou sociedades em que elas operam, (b) adaptações de experimentos civilizacionais tidos como exitosos, (c) transplantes ou cópias fieis de outras realidades nacionais tidas como modelo. A responsabilidade por tais procedimentos é intransferivelmente das elites nacionais: a política, a econômica e a cultural.
O êxito do empreendimento institucional de uma elite é consequência de sua sensibilidade em relação aos interesses, disposições e demandas reais do povo que ela lidera. Isso não quer dizer, contudo, adesão instantânea e irrefletida aos costumes desse povo. O êxito está na descoberta do sentido interpretado das dialéticas entre o que esse povo foi e veio a ser e entre o que ele é e o que quer se tornar. É aqui que brilha o compromisso institucional nacionalista. Trata-se de (a) oferecer instituições, formalizando-as das próprias interações populares subjacentes ou propondo inovações com adesão factível pelo conjunto dos indivíduos, (b) revisar as instituições existentes e (c) desfazer as geradoras de distorção e propagadoras de injustiças.
Se os detentores de poder, cultura e dinheiro não se acertam para interpretar a mensagem de seu povo e convertê-la em instituições, toda a nação padece. E esse padecer é terreno para a vingança popular consumada na violência ou no voto – revanches que não tardam a eclodir.
O compromisso institucional não tem como ser dependente do aprendizado colhido das lições de países de referência. Não que o aprendizado não tenha seu valor, mas viver dele é abdicar de conquistas arriscadas para se aventurar em atalhos fáceis. Em matéria de instituições, é preciso sempre reafirmar uma disposição autodidata. O compromisso só é assumido quando sob o impulso perigoso, mas necessário, da invenção. É isso o que cabe às elites: atitude inventiva. Se uma sociedade nacional do mundo moderno tem elites acostumadas a apenas copiar ou adaptar a institucionalidade de nações idolatradas, o povo é condenado ao silêncio, à infantilização ou à caricatura. Não tem sido essa uma de nossas fatalidades?
Desde o século XIX, o Brasil é açoitado pelo vício da cópia, como se a originalidade amplamente reconhecida em nossa cultura nos fosse poupada no ato do desenho das instituições. Isso aumenta a importância da agenda nacionalista enquanto institucionalmente engajada. Compete aos nacionalistas o exame constante do funcionamento das instituições vigentes e a proposição de novas instituições ou de dispositivos institucionais capazes de moldar a coexistência nacional para equipar e potencializar os cidadãos, mitigar as desigualdades e erradicar as injustiças.
O princípio que deve orientar e atravessar a indústria institucional brasileira está na própria comunidade nacional e seus pendores já foram amiúde identificados pelos grandes intérpretes de Brasil. São eles a plasticidade e a porosidade. Criar instituições plásticas e porosas é inventar dispositivos de organização da vida social, econômica, cultural e política que acompanhem a dinâmica da sociedade brasileira e estimule exercícios de cooperação face os problemas nacionais localmente manifestos. Plasticidade e porosidade institucional significam a abertura do caminho para a transformação cooperada. São a institucionalidade tornada apta a acompanhar as transformações da sociedade transformando-a a si própria. Não temos uma única instituição inteiramente concebida para traduzir esses dados qualitativos da vida nacional. Mas temos exemplos felizes de instituições que os incorporam em dispositivos e setores pontuais: na Receita Federal, no SUS, em normativas de algumas polícias estaduais etc. Não nos faltam inspirações e insights dentro de nosso território.
O compromisso institucional de que trato não é um desafio que careça de assembleias constituintes, da formulação compulsiva de MPs ou de dois terços da Câmara para aprovação de matéria. É um exercício imaginativo que favoreça a ajuda entre estados e regiões no enfrentamento dos problemas nacionais encarados em seus respectivos territórios, que patrocine a colaboração entre setores diferentes da atuação pública, que estimule parcerias público-privadas em áreas em que elas não foram instaladas, que organize meios de unificar práticas e corporações em projetos e iniciativas comuns etc. Isso não pode ficar a cargo de um governo. Tem que ser agenda de Estado.
Reprodutora de um imaginário irredutível ao de outras, a comunidade nacional expressa uma singularidade histórica que confere ao Estado o dever de protegê-la e de potencializá-la. Enquanto a existência de uma comunidade nacional está nas relações, representações e práticas reproduzidas pelo conjunto de indivíduos que a integram, a existência de um Estado está nas instituições que arranjam a sociedade a que serve. Quem quer um ponto de vista nacionalista tem que se precaver contra a tentação monotemática, como o que quer procurar em um setor da economia a se desenvolver o caminho da salvação, e contra a tentação romântica, que dedica quase toda a energia de militância e reflexão ao enaltecimento da pujança e da diversidade de nossa cultura. A tarefa prioritária do nacionalismo é ir aos detalhes da ordem vigente e refazê-los. A tarefa prioritária do nacionalismo é institucional.
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