''Como os exemplos mostram, da direita à esquerda, a sociedade brasileira é colonizada por uma mesma interpretação. [...] Para mim, esse sucesso tão acachapante reflete a vitória do liberalismo conservador entre nós, levando à colonização, inclusive, do pensamento crítico e de ''esquerda'' no Brasil''.
Jessé Souza, "A Elite do Atraso''
Um dos jargões mais repetidos pelos petistas é de que ''não é o momento de fazer críticas ao PT''. Ouvimos isto por décadas, sempre com as justificativas mais duvidosas. Vamos contrariar este dogma mais uma vez neste texto, já que Lula retorna ao governo com o discurso de unir o país. Ora, a divisão e a catástrofe em que estamos mergulhados deitam raízes em muitos dos elementos que marcaram a trajetória do PT e de seus governos. Sempre é bom avisar antes que os mesmos erros se repitam indefinidamente. Alguns exemplos:
1) A ''financeirização'' da economia, com a consolidação de um cartel de bancos que pratica o juros mais extorsivos do planeta [1];
2) Tripé macro-econômico de Armínio Fraga, âncora do neoliberalismo do país [2];
3) Entrega da economia nas mãos do liberal Henrique Meirelles, funcionário do Banco de Boston;
4) Dependência de commodities para segurar as contas externas [3];
5) Desindustrialização, construindo o período de pleno emprego da Era Lula em serviços de baixa qualificação, a famosa ''economia de shopping'', ou seja, baseada em crédito farto, endividamento das classes populares, e empregos precários [4];
6) Perda de sofisticação da indústria e surto de empregos de baixa qualidade, levando à estagnação da produtividade;
7) Diante dos aumentos de salário mínimo em um cenário de perda de produtividade da economia, crescimento de uma inflação de serviços que pesou nos ombros das classes populares;
8 ) Avanço da terceirização nas empresas públicas, na saúde e na educação [5];
9) A política social mais famosa do governo, o Bolsa Família, era copiada da Escola de Chicago, um dos maiores símbolos do neoliberalismo, de onde saiu Paulo Guedes [6];
10) A desigualdade social estrutural do país não diminuiu nos governos do PT. Quem mais ganhou foram os 10% mais da pirâmide de renda do trabalho [7];
11) Realização de reformas da previdência, trabalhistas e previdenciárias sempre que exigido por banqueiros e empresários [8];
12) Desoneração da folha de pagamento segundo exigindo pela Fiesp, com isenções de impostos que levaram o país a uma crise fiscal sem precedentes [as "reformas" liberais, a partir de então, são impulsionadas porque a FIESP se recusa a ''pagar o pato''] [9];
13) Desmobilização dos sindicatos e do MST para reduzir a confrontação política aos períodos eleitorais [10];
14) Concessão de poder de investigação ao Ministério Público, criando o monstrengo que se voltaria contra o próprio partido e contra o país [12];
15) Subordinação ideológica ao partido democrata dos EUA, o mesmo que investigou em massa o governo de Dilma Roussef e se aliou à Força Tarefa de Curitiba pra atacar as instituições brasileiras e permitir a ascensão do liberalismo no sistema partidário [13];
16) Udenismo popular, com discurso moralizante anti-corrupção em toda a sua história, não se diferenciando do mais patético e tosco fiel de Sérgio Moro [14];
17) Ausência de Reforma Política, Reforma Tributária e de uma mudança no financiamento público, para reduzir a dependência da dívida pública;
18) Ausência de Regulação da Mídia para diminuir o poder das grandes corporações e famílias ligadas ao rentismo, como a Rede Globo e o Grupo Folha/UOL [as famílias Marinho e Frias, que comandam esses grupos, estão entre as 15 de maior fortuna no país segundo edição de setembro da Revista Forbes];
19) Nunca auditou uma dívida pública, cujos credores são mantidos em segredo pelo Banco Central;
20) Nunca realizou qualquer acordo que não tivesse o objetivo de manter sua hegemonia no campo da esquerda, ainda que para isso precisasse mentir para o eleitorado, trair aliados e permitir a ascensão de Bozó e outros liberais;
21) Sempre vilipendiou a ligação entre líder e massas para além dos limites partidários, fazendo eco das acusações da USP ao Trabalhismo [chamado de ''populismo''], pra depois se agarrar ao lulismo messiânico e sectário [15];
22) Criticou durante toda sua história a figura e ação política de Getúlio Vargas para agora tentar se colocar, por pura conveniência, na tradição do nacionalismo popular do fundador do Trabalhismo;
23) Se aliou com o que há de mais podre na política brasileira: Temer, Cabral, Cunha etc., corruptos notórios, alguns deles ligados a máfias da jogatina;
24) Se aliou com a banda mais podre e mafiosa das lideranças evangélicas, que hoje dão sustentação ao governo de Bolsonaro: Edir Macedo e Silas Malafaia [16];
25) Atacou, sem dó nem piedade, a moralidade popular ao se abraçar à militância identitária pós moderna, levada adiante por uma classe média cosmopolita que pratica sistematicamente violência simbólica contra os valores e a religião dos mais pobres [17];
26) Foi leniente com a violência urbana e a consolidação do país como um dos maiores consumidores de drogas do mundo [18];
27) Tornou o aborto e a ideologia de gênero em dogmas a ser impostos a uma população que discorda visceralmente de ambos [19];
28) Apoiou a consolidade de uma juristocracia no país [20];
29) Fez questão de alienar as Forças Armadas com uma ''Comissão da Verdade'' que não acrescenta em nada para o ambiente político e a história do país [21].
Como dizia Leonel Brizola, o PT cacareja muito para a esquerda, mas coloca ovos para a direita. Seu compromisso sempre foi com o consenso e o status quo atual, e sua história e anos no poder são a demonstração inequívoca disso.
Se quiser unificar o país e demonstrar verdadeiro amor pelo povo e pelo engrandecimento do Brasil, Lula terá que mudar radicalmente de rumos nesse novo mandato. A repetição dos erros do passado traria consequências ainda mais nefastas daquelas que vivenciamos na última década.
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[2] “Esses dados estatísticos reforçam evidências históricas sobre a continuidade macroeconômica entre os governos FHC e Lula. Ainda durante a campanha eleitoral de 2002, quando a banca internacional temia uma radicalização a esquerda de Lula, todos os principais candidatos assinaram um compromisso de manter os acordos firmados e defender a estabilidade. Como relata o recente livro de Matias Spector sobre a transição dos governos FHC para Lula, o presidente tucano se esforçou para convencer a banca internacional de que Lula não promoveria o caos econômico nem daria o calote na dívida. Daí resultou uma dobradinha entre o então ministro da fazenda Pedro Malan e seu sucessor, Antônio Palloci. Em janeiro, não por acaso, seria anunciado o novo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tucano e totalmente alinhado ao tripé macroeconômico e respeitado pela banca internacional.” http://mercadopopular.org/.../se-o-tripe-e-neoliberal.../
[6] “O fato mais conhecido desse enredo foi a súbita apropriação da política macroeconômica de Fernando Henrique Cardoso (excomungada e rotulada pelo PT de neoliberal) pelo ex-presidente Lula desde o primeiro dia de seu governo, em 2003. Mas há outros, e vou tratar aqui de três: a privatização, a autonomia do Banco Central (BC) e o programa Bolsa Família. Os três foram gerados em ventres liberais[...]’’ https://economia.estadao.com.br/.../geral,o-neoliberal...
[7] “[A] Era petista aumentou a concentração de renda do trabalho. Tanto a faixa da pirâmide dos 1% quanto a dos 10% mais aumentaram sua participação na riqueza nacional. Os 50% menos também ganharam, é verdade, mas em proporção menor do que os escalões mais ricos. Quem perdeu foram os 40% que se situam entre os 50% menos e os 10% mais. Conclusão, o fosso social aumentou. No fim das contas, a participação conjunta dos 90% mais pobres decresceu de 45,7% para 44,4%. As dos 10% de maior renda aumentou de 54,3% para 55,6%.” https://portaldisparada.com.br/.../desigualdade-aumentou.../
[8] https://www.terra.com.br/.../reforma-da-previdencia-e-a... , https://www2.senado.leg.br/.../id/512969/noticia.html...
[11] “Entre as lei aprovadas se destaca a de antiterrorismo, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. "A gente tem uma lei que tem conceitos extremamente vagos, genéricos e que traz penas altíssimas. Quem vai decidir e compreender o que é provocar pânico e terror social? Sabemos que quem vai aplicar essa lei são os membros de Sistema de Justiça, marcado no Brasil por uma ação criminalizadora e repressora", argumenta Marques. Outra legislação citada pela advogada da Artigo 19 é a que proibia bandeiras e cartazes que não fossem manifestações "festivas e amigáveis" nos espaços dos jogos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. "O que é isso e quem vai decidir o que é festivo e amigável?", questiona ela, que ainda fala em legislações municipais e estaduais antivandalismo e que proíbem o uso de máscaras, por exemplo.
A organização também argumenta que, desde Junho de 2013, "marcado por uma total brutalidade e violência do Estado", as polícias militares dos Estados aprimoraram seus armamentos e sofisticaram suas táticas de repressão, com canhões sônicos, blindados israelenses, trajes Robocop, veículos com canhões de água, além do uso contínuo e indiscriminado de balas de borracha, bombas de efeito moral, cassetetes e spray de pimenta. Essa parte do estudo é baseada principalmente em percepções colhidas nas ruas, nos locais de protesto.” http://www.ihu.unisinos.br/.../579907-o-cerco-legal-as...
[14] “[O] discurso petista em 1989 começou a delinear aquelas que seriam marcas do partido por muito tempo: a crítica ao funcionamento do Estado, marcado por práticas de corrupção e favorecimento dos interesses privados, sem, no entanto, negar sua importância como regulador das relações sociais, e a proposta de uma nova ética na política. [...] As críticas do PT também se voltaram para o trabalhismo, visto como herança atrasada da Era Vargas a ser superada[...]” Américo Freire e Alessandra Carvalho, “As eleições de 1989 e a democracia brasileira: atores, processos e prognósticos”, em: O Brasil Republicano. O tempo da Nova República. Da transição democrática à crise política de 2016
[15] “Este artigo analisa a tática política adotada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na conjuntura de crise do governo Collor (1990-1992). Considera-se que o PT não tenha fugido à tendência dominante do movimento pró-impeachment, vindo a aderir à campanha pela ética na política e a atacar o presidente Collor a partir de um discurso de cunho moralista que menosprezou a crítica e a denúncia do caráter de classe da política neoliberal, satisfazendo-se apenas com a denúncia da política recessiva do governo.” http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext...
[16] https://blogs.oglobo.globo.com/.../no-aureos-tempos-do-pt... , https://folhapolitica.jusbrasil.com.br/.../bispo-edir... , https://noticias.r7.com/.../com-a-presenca-de-dilma...
[19] “ Lula disse que o debate em torno da legalização do aborto é uma “questão de saúde pública”. O presidente criticou a hipocrisia que não diferencia as situações que envolvem as mulheres ricas e as pobres. “Não se trata de ser contra ou a favor [ao aborto]. Mas de se discutir com muita franqueza porque é uma questão de saúde pública. Se perguntarem quantas madames vão fazer aborto até em outro país? E as pobres que morrem na periferia? Não se trata de ser contra ou não. É preciso que se faça o debate”, disse o presidente.” https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/lula-e-o-aborto/
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