Traduzido e adaptado, pelo próprio autor, de "Evidence indicates federal agencies must have been involved in Trump’s attempted assassination"
Foi noticiado recentemente que o homem que tentou assassinar Donald Trump, Thomas Matthew Crooks, foi visto carregando um rangefinder ou telêmetro (dispositivo empregado para medir a distância a objetos remotos, frequentemente usado por caçadores e militares) e foi identificado como elemento suspeito mais de 90 minutos antes de efetuar os disparos. Trata-se do que veio à tona por meio de mensagens de texto recém-divulgadas trocadas entre membros da Unidade de Serviço de Emergência do Condado de Beaver. As mensagens são bastance claras: "ele sabe que vocês estão aí em cima", "eu vi mesmo ele portando um telêmetro". Fotos de Crooks também foram compartilhadas com o Serviço Secreto dos EUA (responsável pela segurança do Presidente e candidatos à Presidência). A Forbes chamou isso de "possível lapso de segurança", mas, no contexto geral, soa quase como um eufemismo. Está longe de ser o único "lapso" em um caso cada vez mais estranho.
Vale lembrar que, como escrevi alhures, de acordo com o FBI (a polícia federal americana), durante o comício de Trump, o suposto assassino foi visto no telhado, segurando uma arma, nada menos que 20 minutos antes do tiroteio, com civis na multidão alertando as autoridades - e, o que é bizarro, nada foi feito. Além disso, a CNN noticiou que "análises forenses sugerem que até três armas foram disparadas no comício de Trump". Stephen Bryen, especialista em segurança e ex-subsecretário adjunto de Defesa, também leva a sério a possibilidade de ter havido ao menos um segundo atirador e tem pedido uma "investigação sólida do FBI com supervisão do Congresso" sobre esse assunto.
Além de tudo isso, considere os seguintes fatos (com o devido hiperlink) abaixo - por uma questão de brevidade, não vou me alongar muito desenvolvendo cada um deles, mas apenas apresentá-los:
O Oversight Project (OP) empregou análise de anúncios de telefone celular (ads) em uma investigação de geolocalização e afirma ter, dessa forma, "rastreado dispositivos [telefones celulares] que visitavam regularmente a casa e o local de trabalho de Crooks e rastrearam esses dispositivos". Dentre todos os lugares possíveis, a pista leva direto a Washington DC (distrito federal da capital dos EUA) - justamente a um prédio que abriga o shopping Gallery e escritórios do FBI: "alguém que visitava regularmente a casa e o trabalho de Crooks também visitou um prédio em Washington, DC, localizado no Gallery Place. Fica na mesma vizinhança de um escritório do FBI, em 26 de junho de 2023". Claro, esta é uma área movimentada do centro de Washinton DC, e a geolocalização não permitar apontar um endereço específico com precisão total, mas apenas a sua vizinhança. Ainda assim, dado o contexto, a coincidência é suficiente para despertar alguma suspeita. Não significa necessariamente a hipótese mais sinistra: pode significar apenas, em uma hipótese mais palatável, que agentes federais estavam monitorando Crooks antes do incidente - nenhuma das alternativas é boa, contudo (a última hipótese só torna as falhas de segurança no caso ainda mais estranhas). O OP é uma iniciativa pró-"transparência governamental" da Heritage Foundation que solicita informações por meio do Freedom of Information Act (a Lei da Transparência americana)
O FBI, depois de finalmente ter invadido o aparelho telefônico do atirador, alega não ter encontrado ali nenhuma pista referente à motivação dele. O órgão também alegou que aplicativos de mensagens criptografadas representam um "verdadeiro desafio". As capacidades de espionagem das agências federais dos EUA no que diz respeita às telecomunicações são famosas, o que torna essa alegação bem difícil de engolir.
Crooks conseguir colocar até um drone, controlado por ele, para sobrevoar o perímetro do comício, no dia mesmo da tentativa de assassinato e ele parece mesmo ter usado uma escada para subir ao telhado.
Antes do atirador subir, dois agentes locais dentro de um prédio com vista para o mesmo telhado simplesmente abandonaram seus postos, pouco antes de Crooks começar a atirar.
O Serviço Secreto admitiu que negou repetidamente pedidos de segurança extra em comícios de Trump.
Tudo isso acima é muito difícil de se explicar em termos de uma mera "falha de segurança". Na verdade, tal hipótese soa até absurda. Se qualquer coisa parecida tivesse acontecido em qualquer outro país do mundo, toda a mídia internacional estaria fazendo perguntas sobre o envolvimento de autoridades ou sobre uma tentativa de abafar o caso. Na cultura política dos EUA, no entanto, costuma-se gritar “teoria da conspiração!” para encerrar a discussão em casos assim. Resta saber se isso funcionará nesse caso, no entanto.
Se olharmos para a linha do tempo, um homem (Crooks) foi visto agindo de forma suspeita dentro do perímetro do comício de Trump (60 minutos antes do incidente); foi então visto andando com um telêmetro, um dispositivo parecido com um telescópio (40 minutos antes); depois o Serviço Secreto identificou esse mesmo homem suspeito posicionado em cima do telhado (20 minutos antes), e ele foi visto até mesmo por civis presentes no comício que apontaram e gritaram "ele está no telhado, ele está armado" e tudo isso enquanto Trump fazia seu discurso (2 minutos antes); e o homem chegou a apontar o seu rifle para um agente (30 segundos antes). Então, como se se sabe, ele disparou oito tiros contra Trump e atingiu três civis (um morreu), conseguindo ferir de raspão a orelha do ex-presidente (e isso apenas porque Trump, por sorte, virou a cabeça bem na hora, para ler algo em uma tela). Crooks foi finalmente morto por um contra-atirador de elite (sniper) do Serviço Secreto. Antes de tudo isso, em nenhum momento ele foi abordado, interrogado, convidado a se retirar, detido ou baleado - tendo sido alveja apenas após atirar no ex-Presidente.
Não é de se admirar, então, que o próprio Serviço Secreto dos EUA esteja sendo investigado pelo Departamento de Segurança Interna (Homeland Security), com um inquérito apurando todas essas falhas de segurança; e não é de se admirar que a Diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, finalmente tenha renunciado após comparecer, sob intimação, perante o Comitê de Supervisão da Câmara (House Oversight Committe). Como escrevi antes, o Serviço Secreto dos EUA está cada vez mais sob suspeita, em meio a suas várias contradições.
O fato é que, considerando-se tudo isso, parte do Serviço Secreto americano ter desempenhado algum papel na tentativa de assassinato é o cenário mais provável por enquanto. Durante uma audiência no Congresso na semana passada, a então Diretora do Serviço Secreto (que, depois, renunciou) foi questionada: "Houve uma ordem para retirada, Sra. Cheatle? Houve uma conspiração para matar o Presidente?" Considerando-se todos os fatos acima expostos, de fato a impressão é essa. A Diretora pode ter renunciado, mas a crise política continua - e este está longe de ser o único escândalo assombrando Washington, poucos meses antes das próximas eleições presidenciais.
Com um presidente em exercício cuja senilidade e declínio mental foram abafados pelo círculo interno da Casa Branca, não está sequer claro quem tem, de facto, governado o país até agora - com alguns analistas falando sobre um "triunvirato" (referindo-se aos conselheiros próximos de Joe Biden: Bruce Reed, Mike Donilon e Steve Ricchetti). É possível, portanto, prever instabilidade política e turbulência dentro dos Estados Unidos, incluindo possivelmente agências de espionagem em lutas internas, com consequências pouco claras e imprevisíveis em termos de política externa.
Uriel Araujo, PhD (antropologia) é um pesquisador com foco em conflitos internacionais e étnicos.
As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria
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