Uma das grandes frustrações de alguns militantes russófilos é a incapacidade de controlar a narrativa. E eles pensam que podem controlar a narrativa com o domínio da ''terminologia'', em uma tentativa de aplicação de alguns princípios já usados por movimentos de esquerda identitária. Nada disso funciona conosco; nós usamos os termos, conceitos e chaves que consideramos corretos e funcionais. Conforme deixem de sê-lo, têm de ser substituídos por outros que expliquem e modifiquem de maneira mais eficiente a realidade.
Por exemplo: a ''operação militar especial" é, na verdade, uma invasão russa, uma guerra cujos objetivos são se defender da OTAN e reconstruir o espaço geoestratégico do país, mas não só: visa também reaquecer o velho imperialismo russo por meio da anexação forçada de territórios, redesenho de fronteiras e expansionismo bélico.
Há quem diga que a Rússia ''nunca invadiu outros povos". Só pode ser brincadeira! Muitos povos do leste europeu e não só de lá (húngaros, poloneses, tchecos, afegãos...) têm grande razão de temer avanços russos, da mesma maneira que os russos tem motivos para temer invasões ocidentais. Não adianta trocar o unilateralismo ianque pelo russo no campo historiográfico e narrativo.
O Brasil deve entender o conflito na Ucrânia como uma reação russa à expansão da OTAN e ao “hegemonismo” dos EUA. Mas não tem porque apoiar toda e qualquer reconstrução que a Rússia faça em seu espaço geoestratégico. Nossa postura deve ser a de um não-alinhamento ativo, que mantenha nossa voz e princípios, e que nos permita dialogar com todas as partes envolvidas sempre em busca do melhor para o interesse nacional.
Outro problema conceitual:
A classificação que o geopolítico e pensador russo Alexandr Dugin faz das Teorias Políticas têm perdido rapidamente o caráter científico e sua capacidade de referenciar a realidade. Suas classificações sempre foram problemáticas. Afinal, como definir regimes como as monarquias árabes, o Irã, a Coréia do Norte etc? Evidente que não se adequam à primeira, segunda e terceira teorias políticas. Mas dificilmente podem ser chamadas também de "quarta teoria política".
Estas insuficiências teóricas já eram óbvias, embora houvesse possibilidade de consertá-las no futuro. Mas, ao abraçar sua face de propagandista [o que já se esperava dele como patriota], Dugin decidiu manipular os próprios conceitos com fins meramente retóricos. Então Putin, um político liberal moderado, de súbito vira o grande defensor da ''Quarta Teoria Política'' pelo simples fato de estar combatendo o batalhão Azov e o regime construído pelo EuroMaidan.
Em postagens e vídeos menos “empolgados” e retóricos, Dugin admite que Putin age de forma pragmática nas Relações Internacionais, não porque esteja aplicando a Quarta Teoria Política ou se referenciando por ela. A China apóia a Rússia não por causa da Quarta Teoria Política, mas por causa de suas interpretações e reinterpretações do Maoísmo.
Seria bom que a Rússia seguisse seus próprios caminhos, independentes da tirania epistemológica, política e econômica dos grandes centros do Ocidente. Já divulgar que o regime de Putin está rompendo com todos os parâmetros que definem as ideologias modernas, tais como classificadas pela QTP, não passa de falsificação da realidade com a intenção de propaganda de um ponto de vista duginiano, não uma perspectiva brasileira.
Se continuar nesta toada, o duginismo brasileiro tende a se tornar rapidamente uma grande caricatura. E nós não temos nenhum problema em dizer isto em alto e bom som, apontar os erros, e depois gritá-los do teto de nossas casas.
Meia dúzia de três russófilos vão ter de aprender a conviver com isto, porque do jeito que as coisas estão se desenvolvendo pelos lados de lá do Dnieper, a tendência das análises fundadas na "Quarta Teoria Política" (QTP) é piorar muito.
Recomendamos aos patriotas brasileiros que dêem passos definitivos para o nacionalismo -- que infelizmente a QTP associa problematicamente ao fascismo. O nacionalismo, que é considerado morto e falido por Dugin (que também já decretou o fim dos Estados-Nacionais): pode ser o único jeito de manter a coerência e alguma profundidade teórica a médio e longo prazo.
Claro que não falamos de qualquer nacionalismo - mas um nacionalismo como o nosso, brasileiro, que não pode ser descrito da mesma maneira que os russos descrevem o fenômeno, dadas as diferenças históricas, institucionais e culturais entre os dois países. O Brasil é um "Império" em algum sentido geopolítico, mas não no sentido europeu oitocentista de “Impérios multi-nacionais”. Não existem diversas nações no Brasil que possam reivindicar ‘’Repúblicas autônomas” no interior do Estado, como na Rússia. A maioria esmagadora do povo brasileiro não tem qualquer identificação étnica, e políticas “etnicizantes” do Brasil são não apenas desnecessárias como deletérias (vide a este respeito, esta live). Tampouco vamos construir nosso espaço geoestratégico com invasões e guerras contra nossos vizinhos, tornando a América do Sul em trincheira de combate de grandes potências do Norte Geopolítico.
Imitar a este ponto o modelo russo é contra os interesses do Brasil. A Rússia é uma amiga. Mas não aponta o caminho para o Brasil. O Brasil é que faz seu próprio caminho.
PÃO, TERRA E TRADIÇÃO!
Comentários