Donald Trump já anunciou repetidas vezes que está preparando uma guerra contra os cartéis do narcotráfico mexicanos, e James Bosworth, um pesquisar do Programa da América Latina do Wilson Center, argumenta que as ameaças de Trump devem ser levadas a sério.
Seja como for, há um contexto maior no que diz respeito às promessas da parte de Donald Trump de travar uma "guerra às drogas": afinal, ele prometeu mobilizar os militares para levar a cabo deportações em massa (de migrantes ilegais) e, para tanto, planeja declarar um estado de "emergência nacional" - o plano não descarta deportar famílias inteiras. Vários "linha-dura" em relação ao tema da imigração foram escolhidos por Trump para servirem em sua futura presidência (ele tomará posse como Presidente dos EUA em janeiro de 2025). Tais medidas seriam uma grande mudança para os militares dos EUA, que, mais envolvidos em operações no exterior, normalmente não se envolvem com questões envolvendo o cumprimento de leis ou decretos em território americano (esta seria uma competência das polícias e outras agências, como o controle de migração etc). No entanto, isso já foi tentado antes: a chamada Operação Wetback, no governo do então Presidente Eisenhower, em 1954, deportou cerca de 1 milhão de mexicanos e até mesmo alguns americanos de ascendência mexicana.
Tudo se isso não se trata apenas sobre dar uma resposta bastante dura ao problema da migração ilegal e aos problemas na fronteira (como a crise envolvendo o contrabando da droga opioide fentanil). Trump em alguns momentos chegou a prometer que milhares de tropas americanas do exterior seriam transferidas para a fronteira. Ora, para um Presidente, mobilizar os militares em território americano e declarar um estado de "emergência nacional" é uma ótima maneira de aumentar o próprio poder. E, como escrevi antes, é, em grande medida, disso que se trata a guerra de Trump com parte do chamado "Estado Paralelo" [Deep State]. Trata-se de "domar" os serviços de inteligência, expandir o Executivo (conforme descrito no Projeto 2025) e aumentar os poderes presidenciais.
Voltando às questões de fronteira, em setembro de 2023, a revista Foreign Policy publicou um artigo dos pesquisadores Justin Logan e Daniel Raisbeck (ambos do Cato Institute) sobre a crise do fentanil, que segue sendo um problema. Os americanos dos EUA enfrentam, há muito tempo, uma crise de vício em opioides e uma grande parte do suprimento dessas drogas vem do México. A questão alimenta tensões políticas: por exemplo, autoridades americanas têm acusado, com grande alarde, empresas chinesas de estarem fornecendo aos cartéis mexicanos os ingredientes necessários para a fabricação de fentanil. Em maio de 2023, Washington aplicou sanções a 17 indivíduos e entidades na China e no México por conta dessa questão. Em meio às tensões entre americanos e mexicanos, a retórica cada vez mais pesada contra os cartéis mexicanos envolvidos nesse comércio ilegal frequentemente inclui vozes clamando por "soluções militares".
Já em maio de 2024, Trump anunciou seus planos de enviar "equipes da morte" ("kill teams") ao México para "eliminar" (ou seja, assassinar em operações especiais) os líderes narcotraficantes dos cartéis. Nisso, ele não é nenhuma voz isolada, no entanto. Em agosto de 2023, durante o debate presidencial com os pré-candidatos do Partido Republicano (antes de Donald Trump escolhido como candidato), o governador da Flórida, Ron DeSantis, prometeu enviar as Forças Especiais dos EUA ao vizinho México para combater cartéis de drogas se eleito presidente. Bryan Griffin, seu porta-voz, detalhou mais tal promessa da seguinte maneira: “Ron DeSantis declarará os cartéis como narcoterroristas e mudará as regras de engajamento na fronteira. Toda a força do governo federal será utilizada para garantir que o fluxo ilegal de drogas seja interrompido, e ele usará todas as ferramentas que tiver para esse fim.” DeSantis não conseguiu se tornar o candidato à presidência da república de seu partido, mas suas declarações naquela época mostram que esse tipo de retórica (que não leva em consideração a soberania do México) vai além de Trump e, de fato, o tema México ocupa uma grande parte do debate dos EUA sobre política externa - o que não é surpreendente.
A Presidente mexicana Claudio Sheinbaum, que tomou posse recentemente, parece ter adotado uma abordagem mais agressiva internamente em relação aos cartéis mexicanos, mobilizando o Exército mexicano para combatê-los. No entanto, até agora ela tem recusado assistência dos EUA para fins de segurança pública do seu país e até limitou a cooperação e o compartilhamento de dados de inteligência desde que assumiu o cargo em outubro deste ano (2024). As relações bilaterais entre EUA e México, para se dizer o mínimo, não vão nada bem agora - o que, novamente, não é nenhuma surpresa.
Essa agressividade americana típica poderá apenas alienar ainda mais o país vizinho, afastando-o e empurrando-o rumo a relações mais proximas com Pequim, por exemplo: a diplomacia pragmática chinesa, afinal, contrasta dramaticamente com a beligerância americana. E as autoridades civis mexicanas não são os únicos atores da sociedade que poderiam se opor a qualquer incursão dos EUA em seu território: estamos falando, afinal, de uma nação fortemente militarizada, e isso inclui grupos paramilitares sofisticados, tremendamente ricos e fortemente armados, como os próprios cartéis de drogas.
Qualquer militarização transfronteiriça (com potencial para algum grau de confronto armado) pode ter consequências crescentes e repercussões imprevisíveis em termos de impactos diplomáticos e econômicos, violência de gangues e tensões interétnicas domésticas e transfronteiriças: os dois países não apenas possuem 2.000 milhas de fronteira (cerca de 3.150 km), mas também são nações altamente integradas, com mexicano-americanos compondo 11,2% da população dos EUA (de acordo com dados de 2022). No Texas, 31,6% da população local tem ascendência mexicana
Além dos aspectos militares e diplomáticos (juntamente com os planos de deportação em massa que impactam milhões de pessoas e que custariam bilhões de dólares), existe um potencial para um desastre econômico, pois os dois países se complementam um ao outro neste âmbito também: ora, em 2021 o México foi o segundo maior parceiro comercial dos EUA, com um total de US$ 725,7 bilhões em comércio de bens e serviços. Em julho de 2023, o México já havia ultrapassado a China, tornando-se o principal parceiro comercial (dos EUA).
Além disso, os planos de Trump certamente desencadearão uma batalha jurídica dentro de casa, com ações judiciais de governadores estaduais contestando suas medidas e assim por diante. Abrem ainda espaço para algum nível de conflito armado com um país vizinho, envolvendo diferentes atores. O especialista James Bosworth, citado anteriormente, alerta que existe um potencial para ocorrer um "cenário do tipo 'Falcão Negro em Perigo' [Blackhawk Down]", em alusão ao filme - ou seja uma situação na qual as tropas dos EUA, afirma ele, "acabariam presas em um impasse violento com forças criminosas ou mesmo tropas mexicanas defendendo a soberania do país de uma intervenção dos EUA". Esse risco, ainda segundo Bosworth, é real pois uma "operação simples" poderia "rapidamente se transformar em algo mais complexo e mortal".
Bosworth acrescenta que Washington também deve levar em conta as "possíveis respostas dos cartéis", porque "alguns grupos criminosos mexicanos podem decidir revidar e até mesmo aumentar a violência, atacando interesses americanos, empresas e cidadãos dos EUA". Além disso, de acordo com o estudiosos, esses grupos podem causar "muitos danos às forças dos EUA que operam no México, e eles possuem capacidades técnicas, armamento e recursos humanos para levar a luta para o território dos EUA de uma forma que a Al-Qaeda e o Estado Islâmico não poderiam nem sonhar".
Como é o caso de tantas políticas e planos beligerantes dos EUA, o risco está na imprevisibilidade dos cenários de acirramento das tensões. Pode-se muito bem questionar se tais riscos valem pena, mesmo do ponto de vista do próprio Trump. Mas ele já deu todos os sinais de que está decidido a seguir adiante.
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