Getúlio Vargas: 143 anos
- Sol da Pátria
- há 1 dia
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'Só mesmo com a revolução,
Graças ao rádio e o “parabelo”,
Nós vamos ter transformação
Neste Brasil verde e amarelo
G-e – Ge
T-u – Tu
L-i-o – Lio
Getúlio!
Certa menina do Encantado
Cujo papai foi senador
Ao ver o povo de Encarnado
Sem se pintar, mudou de cor.''
Gê-Gê (Seu Getúlio), de Lamartine Babo, gravada em janeiro de 1931 por Almirante com o Bando dos Tangarás e a Orquestra Guanabara
No último 19 de Abril, Getúlio Vargas completaria 143 anos. Mas não devemos ver na data mera homenagem a um homem público e governante que representa um passado cada vez mais distante. Devemos reivindicá-la para atualizar no presente as possibilidades grandiosas de nosso país. Pois em muitos sentidos, Getúlio está à nossa frente. Vejamos.
Em fevereiro de 1995, o recém-empossado Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionava a nova Lei de Concessões e proclamava o fim da Era Vargas. Doravante, o Brasil inauguraria um novo modelo de Estado, que se tornaria apenas regulador, e até mesmo “gerencialista”. O novo pacto de poder exigia o fim de monopólios estatais, privatizações, abertura comercial, desregulamentação das relações trabalhistas, Previdência cada vez mais residual, minoração da responsabilidade social do governo, e a despolitização das relações sociais [seguindo a perspectiva neoliberal de que a vida pública deve se conformar à gestão eficiente de recursos escassos].
Três “décadas perdidas” depois, a desigualdade de renda do trabalho se manteve em patamares assombrosos, as instituições mergulharam em profunda crise de legitimidade, o país passou por um processo rápido de desindustrialização, viu sua produtividade estagnar, as Forças Armadas serem sucateadas, sinais preocupantes do avanço do Narco-Estado, a explosão da violência não só nas metrópoles mas também em cidades pequenas e médias, imensa submissão de partes da juventude a ideologias importadas dos grandes centros geopolíticos dominantes, e sintomas graves de desagregação social. O fim da Era Vargas, do qual as forças hegemônicas da Nova República se tornaram símbolo e portadoras, foi um “avanço” para quem exatamente? Voltemos para meados do século passado a fim de entendermos o que se pretendeu abandonar.

Em fevereiro de 1949, Getúlio Vargas concedia entrevista a Samuel Weiner e confirmava que disputaria as eleições presidenciais, deixando seu “exílio” em São Borja: “Sim, eu voltarei; não como líder político, mas como líder das massas”. A frase acabou originando um dos mais famosos slogans da campanha do ano seguinte: “Ele Voltará!” Chegava ao fim o governo de Dutra, que fora um dos militares mais importantes do Estado Novo, mas que se unira a movimentos liberalizantes que pretendiam demolir as tendências inauguradas pela Revolução de 1930.

Getúlio efetivamente retornou ao poder, e a despeito do fim trágico de seu novo mandato, a vitória eleitoral consolidou o projeto que ele próprio comandou nas décadas anteriores. Era projeto que implicava em profunda reformulação do Estado, e que aproveitava a crise de hegemonia porque passava a sociedade para estabelecer um modelo fortemente intervencionista.
Rompendo com a oligarquia gaúcha que o auxiliou na Revolução de 1930 [e que ficou ao lado da paulista na guerra civil ocorrida dois anos depois], Getúlio buscou novos apoios para sua visão de Brasil. Investiu primeiro nos tenentistas, mas o movimento se dissolveu rapidamente por falta de robustez ideológica. O Presidente encontrou então nas Forças Armadas, que passavam por um momento de redefinição radical sob o impacto da Doutrina de Góes Monteiro, o aliado que precisava na tarefa de diversificação econômica, nacionalização das instituições e centralização política. O Exército entendia com perfeição que a soberania real de um país dependia do domínio das principais cadeias produtivas da época, principalmente a indústria pesada. Seria cansativo listar, pela milésima vez, todas as empresas estatais e estratégicas que surgiram nesta empreitada, da Vale do Rio Doce à Companhia Siderúgica Nacional, da Eletrobrás à Petrobrás.
Mas a Era Vargas não incluiu somente os militares. Considerado muitas vezes como um período de autoritarismo, o Estado construído por Getúlio se abriu como nunca para as classes médias. O modelo clientelista da República Velha foi deixado de lado e substituído pelo universalismo de procedimentos no serviço público, base do bom funcionamento de democracias. A partir do DASP [Departamento Administrativo do Serviço Público], criado já no Estado Novo, as classes médias participaram ativamente da direção do Estado. O governo criava uma burocracia civil por meio da realização sistemática de concursos públicos, uma burocracia fundamentada no mérito, imune a pressões diretas das Oligarquias, e que se tornava veículo não só da nacionalização como também da racionalização do Estado, e sem a qual nenhum projeto nacional viável conseguiria ser executado.
Getúlio foi ainda além, e pela primeira vez incluiu as classes populares em uma sólida e abrangente ideia de nação, cujas bases estavam na ligação do Executivo com as massas urbanas, e na valorização das culturas populares de um país mestiço e singular. Este esforço foi tratado de modo pejorativo por acadêmicos dos anos 1960 e 1970, e por movimentos político-partidários da Nova República. A grande mídia liberal difundiu que o Populismo não passava de pura demagogia, arquitetado por políticos inescrupulosos com o intuito de enganar a população. É um reducionismo e uma distorção difícil de sustentar.
As pesquisas da professora Ângela de Castro Gomes, por exemplo, vão em outro sentido. O Trabalhismo, do qual Getúlio é o principal representante, não é uma prática imposta de cima para baixo, nem muito menos um aparato de manipulação de massas ingênuas e ignorantes. Era, na verdade, uma tradição política forjada pelos trabalhadores brasileiros a partir de uma linguagem própria e que veiculava uma consciência de classe e uma identidade específica, nem melhor, nem pior do que de qualquer outro país. O Trabalhismo foi o modo com que as classes populares brasileiras se constituíram como ator político, e mergulha fundo na cultura personalista que é nossa característica.
Como disse José Murilo de Carvalho, Getúlio significou “a entrada do povo na vida política, deixando de ser o bestializado de Aristides Lobo”. O sociólogo inglês T. H. Marshall defendia que a cidadania se torna plena com a implementação gradual e sucessiva de três conjuntos de direitos: os civis, os políticos e os sociais. Ora, os direitos civis e políticos da República Velha eram letra-morta. A Era Vargas, incluindo o tão denunciado Estado Novo, foi o primeiro período republicano em que uma parte significativa da população foi de fato alcançada pela cidadania. E este feito se deu por meio da ampliação real dos direitos sociais e da legislação trabalhista, invertendo a lógica elaborada por Marshall.
Por isto, o revolucionário e ditador Getúlio é, de maneira incontestável, o maior artífice da democratização do país, do crescimento exponencial da participação popular em todas as esferas da nação, desde a formulação de sua identidade cultural até a distribuição nos frutos da produção e do trabalho. O próprio Fernando Henrique Cardoso admitiu em entrevista no fim dos anos 1990 que Getúlio estava, na verdade, integrando as massas. Vargas foi também pivô da construção de um Estado moderno, com instituições nacionalizadas, serviço público meritocrático, capaz de executar um projeto nacional amplo e soberanista, voltado para a independência econômica, a integração territorial, e a grandeza do Brasil.
Diante da História, qual o real sentido da intenção de Fernando Henrique de sepultar a Era Vargas senão um desvio da nossa trajetória de construção nacional? Pois o Brasil precisa urgentemente retornar a São Borja, não para vê-la como objeto de uma memória cada vez mais evanescente, e sim como inspiração para retomar o rumo de vanguarda tecnológica e produtiva, de Democracia Social, e de criação da única e inigualável Civilização dos Trópicos a que estamos destinados.
Getúlio nasceu e nunca nos deixou: O Trabalhismo e o Nacionalismo, adaptados ao século atual, permanecem como a via que nos conduzirá ao sonho patriótico tão almejado.
PÃO, TERRA, TRADIÇÃO
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