João Guimarães Rosa, como todo bruxo, sempre permanecerá um mistério. Mineiro de Cordisburgo, cidadezinha com um nome que parece inventado por ele mesmo (mistura de latim e alemão, burgo do coração - mais roseano impossível!), nasceu num 27 de junho, um dia exatamente como hoje, um dia brasileiro, impregnado pela magia dos folguedos juninos. Se, como dizem, as Minas Gerais são o coração do Brasil, Cordisburgo está no coração dos Campos Gerais, pois até o nome de sua cidadezinha natal não nos deixa mentir. Nascido dentro de dois corações (coisa normal em Minas Gerais, onde há até Três Corações) do Brasil Profundo, Rosa (com nome de flor e filho do Sr. Florduardo - outro nome digno de suas páginas) foi escolhido pelo ente vivo chamado Sertão para ser seu vate.
"A poesia do mago mineiro está em cada palavra resgatada dos falares do povo ou criada por sua erudição, em cada símbolo que comunica os mistérios da alma humana e das teofanias de Deus e das tentações do diabo na Terra do Sol. Rosa conjura um Brasil místico e mítico numa encruzilhada do sertão mineiro".
Muito se compara Guimarães Rosa ao irlandês James Joyce, ambos enquanto arquitetos experimentais da palavra. O mineiro rechaçava tal aproximação, no que concordamos totalmente: Joyce era um esteta, preocupado com novas formas, Rosa era um alquimista da língua portuguesa, em busca da pedra filosofal que nasce da última flor do Lácio. Seria tal flor uma rosa, nascida no castelo coração do Brasil?
Leitor de Platão, Plotino e René Guénon, discípulo dos místicos cristãos e dos Upanixades, Rosa empreendeu a síntese dessas influências com a visão de mundo do Brasil Profundo, com sua espiritualidade e seus falares, criando um universo literário único. Sua obra só poderia nascer no Brasil e mais em nenhum outro rincão desse mundo. Mesmo abordando temas que, de certa forma, são universais, Rosa interpreta a vida através das lentes do homem simples que conhecia tão bem. Sujeito extremamente culto e viajado, Rosa nunca perdeu o elo com o chão da sua terra. É digna de nota a jornada de re-enraizamento por ele vivida antes da criação de seu magnum opus, o impressionante Grande Sertão: Veredas, obra indispensável na compreensão da metafisica das tradições populares do Brasil e até mesmo da alma do povo dos interiores distantes.
João Guimarães Rosa, mesmo não sendo literalmente um poeta, estava muito próximo da visão que Martin Heidegger tinha dessa arte. A poesia é uma espécie de régua com a qual o homem se mede com os deuses, o caminho para o verdadeiro Ser e uma porta de contato com o divino. Não há religião, povo e Tradição sem poesia, a língua em sua essência mais plena. Como escreveu Vicente Ferreira da Silva, "a vida dos deuses é uma poesia corpórea". Segundo o próprio Rosa:
"Penso que chega um momento na vida da gente, em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de eternidade".
A poesia do mago mineiro está em cada palavra resgatada dos falares do povo ou criada por sua erudição, em cada símbolo que comunica os mistérios da alma humana e das teofanias de Deus e das tentações do diabo na Terra do Sol. Rosa conjura um Brasil místico e mítico numa encruzilhada do sertão mineiro. Brasil espiritual e metafísico, que ainda existe para aqueles que têm olhos para ver e que, na aridez dos tempos que enfrentamos, pode ser a vereda sagrada que mata nossa sede de identidade e conforta, tal qual um útero da pátria mãe, nossos espíritos ávidos de Ser.
Temos alegria imensa em celebrar o nascimento de um arauto da nossa essência coletiva mais profunda. Um autor que é para nós o que Homero, Camões, Cervantes, Goethe, Hölderlin e Novalis foram para outros povos. Aliás, sem nenhuma intenção de hierarquizar qualitativamente ou comparar quaisquer dos nomes citados (o amigo leitor tem o total direto de ter suas preferências e gostos), os mais atentos podem perceber certa confluência de temas entre os gênios acima citados e nosso próprio imortal das letras. Entretanto, como já fora dito, só o Brasil poderia parir uma especificidade literária e filosófica como a de João Guimarães Rosa. Somos um povo único, que só poderia exprimir sua existência através das obras de nomes inimitáveis como Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Jorge de Lima e tantos outros tão únicos como nosso sertão.
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