A boxeadora argelina Imane Khelif não é mulher trans. Mas isso não esgota o debate sobre sua participação no boxe feminino olímpico. Ela tem, aparentemente, uma condição genética ("intersexo"?), cuja especificidade não foi divulgada com segurança, que lhe dá, de qualquer forma, uma vantagem natural em relação a suas colegas. É o chamado ''doping natural" dos altos índices de testosterona que, no caso dela, não podem ser minimizados por tratamento.
Há toda uma defesa sobre a ''inclusão'' no esporte, o argumento sendo o de que a argelina não tem ''culpa'' de ter nascido assim e não deve ser discriminada. Mas não se pode deixar de lado também a justiça desportiva e a segurança das demais atletas, principalmente em modalidades de luta como o boxe, em que a "brincadeira" consiste em socar a cabeça e o tronco do adversário. A imprensa brasileira, em sua maior parte, finge que esse debate não existe, ou o apresenta como ilegítimo, aderindo assim à militância, ao invés de cumprir aquela que deveria ser sua função: informar o distinto público.
Em outro episódio mais recente, a boxeadora búlgara fez um gesto sinalizando a letra X com os dedos (referência aos cromossos XX femininos), após perder para a taiwanesa Yu Ting Li. Ora, Yu Ting Li, assim como a argelina Imane Khelif, também foi desclassificada pela IBA (Associação internacional de Boxe), por supostamente ter cromossomos masculinos. A questão repercute em níveis de testosterona e estrutura óssea, capacidade pulmonar e fibras musculares.
Com que então as únicas pessoas supostamente "intersexo" da competição disputam a medalha de ouro - intersexo sendo um termo guarda-chuva para se referir a várias síndromes de desenvolvmento sexual. Em inglês, também se fala em "diferenças no desenvolvimento sexual" ou "differences in sex development" (DSD). É algo raríssimo - em torno de 0,05% da população. Se os "intersexos" XY são numericamente tão raros no total da população, então como explicar que os dois únicos intersexos no boxe feminino tenham se tornado medalhistas olímpicos? Não deixa de ser digno de nota que, por coincidência, justamente os "intersexos" testados e proibidos de participar do Mundial de Boxe foram admitidos pelo COI e ganharam medalhas. Alguns alegam que não seria possível criar uma categoria "intersexo" XY justamente porque são numericamente irrelevantes na população. Novamente: como então explicar que os dois únicos intersexos XY tenham se tornado medalhistas olímpicos?
Segundo o COI, os testes da Associaçào Internacional de Boxe que as proibiu de participarem do Mundial do ano passado "não têm credibilidade". Em entrevista coletiva em Paris, representantes da IBA declararam que foram realizados testes nas atletas em 2022 e 2023. Ioannis Filippatos, presidente do comitê médico e antidoping da IBA, com 30 anos de experiência, declarou que elas possuem cromossomo XY e níveis de testosterona que lhes dão vantagem indevida contra mulheres. Ele chegou a cravar: "são homens" [biologicamente].
Outras atletas têm repetido o gesto de Svetana, em protesto contra uma situação que lhes parece injusta.
Não se trata de hostilizar nem discriminar ninguém nem de "segregar pessoas" - evidentemente, ser atleta olímpico não é essencial pra cidadania de ninguém, de modo que falar em "segegação" (como forma de encerrar a controvérsia) é um abuso erístico do próprio termo ''segregação''.
Ocorre que, embora seja impossível "igualar" todas as variáveis, há condições para a prática esportiva, que incluem sistemas de classificação rígidos para a manutenção da justiça desportiva e da segurança dos atletas. A questão é desportiva, ética e até política. É por isso mesmo que homens não competem com mulheres, que há categorias de peso em certas modalidades, exigências de testes médicos, de controle de dopagem etc. Testes de gênero [seria mais preciso dizer de sexo biológico] existem justamente para isso - e as atletas no centro da polêmica não passaram no teste da IBA.
Recapitulando:
A IBA realizou testes e concluiu que duas atletas supostamente "intersexo" levavam vantagem indevida e incompatível com o boxe. feminino Proibiram-nas de participar do Mundial de Boxe em 2023.
Por briga política, o COI descredenciou o IBA e permitiu que as atletas participassem das Olimpíadas de Paris de 2024, alegando que não acreditava nos testes.
Por coincidência, esses dois "intersexos", os únicos da competição, cada um em sua categoria, se tornaram medalhistas olímpicos.
Estamos em meio a um conflito político mundial (a chamada Nova Guerra Fria) que se refletiu no boxe. A Associação Internacional de Boxe (IBA) foi descredenciada pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por ter como presidente um russo aliado de Vladimir Putin. Como os russos se tornaram o grande bode expiatório do Ocidente atual, e como as organizações esportivas são instrumentalizadas sem pudor pela geopolítica norte-americana, vivemos a situação inusitada de atletas reprovadas em testes de gênero competindo nas Olimpíadas.
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