O resultado das eleições foi proclamado há menos de duas semanas, Lula não definiu os nomes de seu Ministério, mas as chantagens do “mercado” já repercutem de modo intenso na grande mídia, que percebeu que os estrilos e muxoxos de bolsonaristas radicais em frente aos quartéis ou bloqueios de estradas por caminhoneiros financiados por agentes obscuros não têm peso para alterar os rumos da política real.
As atuais pressões podem significar, a médio prazo, a primeira ruptura de fato da Frente Ampla [prefiro chamar de “acordão”] construída para derrotar Bolsonaro. Representa um perigo político muito mais evidente para o PT durante o próximo semestre do que a gritaria tresloucada dos “intervencionistas”.
O termo "mercado" usado pela mídia corporativa deveria sumir do discurso dos nacionalistas, conservadores e trabalhistas. Dá impressão de que se trata de uma "força da natureza". Quando, na verdade, é a máscara de agentes das grandes finanças que têm nome, sobrenome e endereço.
As demandas dessa alta burguesia financeirizada são apresentados como "ciência", "destino" ou "necessidade". Mas não passam de interesses particulares que estão em conflito com o bem comum.
Um dos pseudo-argumentos pró-rentismo é o de que o termo "mercado" se refere não só à Faria Lima e sim a uma profusão de pequenos e médios investidores. Mas não estamos nos EUA, em que quase toda a classe média se atrelou a fundos de pensão. No Brasil, falamos de uma percentagem ínfima da população. As preocupações do "mercado" [agentes da alta finança e da burguesia financeirizada] não são as preocupações dos cidadãos e passam longe de representarem as reais necessidades da sociedade. Parece óbvio, mas é bom lembrar diante da exigência da mídia para que se alimente o monstro.
Nunca houve crise no Brasil para a fração mais substancial destes agentes das altas finanças, que impõem os próprios interesses como destino do país [ou seja, tem posição hegemônica no campo econômico]. Nem em 2008, nem em 2015/16, nem na pandemia. O rentismo continuou lucrando a pleno vapor durante todo o período. Por que então tanta "desconfiança" com Lula?
Em primeiro lugar, não desconfiam tanto assim, apenas tentam domar o novo governo o máximo possível a partir da repercussão das especulações na Bolsa de Valores. Segundo, há uma fração destes agentes rentistas que repudiam de fato o PT: a alta burguesia industrial que, por contraditório que pareça, também é setor cada vez mais financeirizado.
A indústria esteve em crise durante todos os anos PT. Não participou da explosão de empregos e renda proporcionado pela “economia de shopping”, e um fragmento poderoso da classe criou uma suposta alternativa: desonerações monstruosas, destruição das leis trabalhistas, estratégia de crescimento a partir do investimento privado, implicando em uma crise fiscal sem fim usada para propagandear a “necessidade” de demolição de qualquer possibilidade de Estado de bem estar social. Ou seja, um choque neoliberal que se casou depois com a mentalidade pinochetista de Paulo Guedes, e que tem entre seus maiores símbolos o Teto de Gastos, implementado contra a vontade do eleitorado.
O PT sempre foi uma máquina de concessões a estes agentes, sempre se recusou a enfrentá-los a partir de uma perspectiva verdadeiramente desenvolvimentista, típica da esquerda histórica. Seus recuos e invencionices criaram o cenário para a chegada ao poder de uma estratégia neoliberal extremamente agressiva, e cujos efeitos sociais e políticos se tornaram tão insuportáveis que atraíram oposição de parte da “elite do dinheiro”.
Lula agora se encontra em verdadeira encruzilhada. Já conhecemos sua face de conciliador e de construtor de consensos – alguns mais cínicos diriam que já conhecemos seu lado de “pelego”. Mas se deseja abandonar sua história de “cavalo de Tróia” das forças nacionalistas e populares, se quer deixar um legado diferente da terra arrasada em que se encontra a esquerda brasileira, tem de encarar enfrentamentos.
A melhor forma de realizá-los é em nome não da classe mas da nação.
Será que Lula e o PT acreditam suficientemente na nação para cumprirem este papel? Ou ficarão de novo de joelhos diante do globalismo, gerenciando a espoliação enquanto administram migalhas para as classes populares?
Lula poderia ser um grande líder popular, mas para isto tem de provar para si mesmo e para os nacionalistas que a imagem de pelego udenista era tão somente uma fantasia que ele esperava rasgar em algum momento. Acredite... quem puder.
Lendo esse texto e fazendo um contraponto mental com as últimas análises do Eduardo Bisotto.