Uma versão deste texto foi originalmente publicada como capítulo de livro em: SILVA, Wellington Teodoro da Silva & SUGAMOSTO, Alexandre (org.). Religião, política e espaço público. Editora Dialética, 2021.
Uriel Araujo é Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Literatura Comparada pela mesma UnB e publica regularmente artigos jornalísticos e acadêmicos nas áreas de antropologia, ciências da religião e geopolítica. Foi pesquisador doutorando visitante do Max-Planck-Institut für ethnologische Forschung / Max Planck Institute for Social Anthropology em Halle (Alemanha); do Yuzhnyy federal'nyy universitet / Southern Federal University (SFedU) em Rostov do Don (Federação Russa); e da Vysshaya shkola ekonomiki / Higher School of Economics (HSE) em Moscou. Sua tese de doutorado "Quem são os russos? Ser ou não ser russo: Donbass e os cossacos do Don nas encruzilhadas da identidade" (2024) - relacionada à pesquisa ‘Cultura’, reconhecimento e reparação na administração de conflitos no âmbito do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC) - aborda problemas relacionados a nacionalismo, neofascismo, tradicionalismo e conflito étnico no leste europeu e envolveu trabalho de campo realizado entre os cossacos do Don e na zona de conflito em Donbass.
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O mito move o homem na história. Sem um mito a existência do homem não tem nenhum sentido histórico. (...) Os motivos religiosos deslocaram-se do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociais.
José Carlos Mariátegui
São comuns hoje as acusações de bruxaria no continente africano. Por vezes, elas levam a linchamentos ou atos violentos contra o(a) suposto(a) bruxo(a), que é responsabilizado(a) por alguma tragédia familiar ou doença. Em alguns casos, crianças também são acusadas. O fenômeno da caça às bruxas preocupa organizações de direitos humanos e ONGs[1]. A “bruxaria”, nesses casos, é uma categoria acusatória: no geral, ninguém se define como bruxo. Bruxos são sempre os outros. Com a modernização e o crescimento urbano, na primeira metade do século XXI, o fenômeno aumentou - ao contrário do que muitos supunham.
1. A esse respeito, vide GESCHIERE, Peter. The Modernity of Witchcraft: politics and the occult in postcolonial Africa. Charlottesville: University of Virginia Press, 1997. 311 pp. e também RIEDEL, 2012
Algo análogo ocorre com o fascismo: seu espectro também supostamente tem crescido pelo mundo, na primeira metade do século XXI e, ademais, ele também frequentemente é usado como categoria acusatória. Tanto bruxaria quanto fascismo parecem estar na contramão de uma suposta marcha global da modernidade e do progresso. O estudo desse tema apresenta grandes dificuldades, pois se trata, por vezes, de fenômenos mais etéreos e de mais difícil classificação e conceituação que a bruxaria africana subsaariana.
Os antropólogos, no geral, não têm se preocupado com a questão de entrar-se no mérito das acusações de bruxaria. Isso implica, argumento alhures (ARAUJO, 2019, p. 23), em não se levar a sério o discurso nativo a respeito da bruxaria, no que concerne à factualidade das narrativas, geralmente tomadas como rumor, como narrativa que revela tensões da sociedade e algo de sua cosmovisão e contradições - portanto, o trabalho do cientista social consistiria, analogamente ao trabalho de um psicanalista ou iconólogo, em interpretar tal narrativa.
Argumentei, contudo (ARAUJO, 2019, p. 23), que, em alguns casos, pode ser relevante, sim, entrar no mérito das narrativas - e se estiver, em algum grau, ocorrendo algo? E se, alguns indivíduos ou grupos, em alguma localidade, estiverem, de fato, assassinando crianças em rituais para fins mágicos, por exemplo? Argumentei que talvez seja uma questão de grau de factualidade e talvez haja uma espécie de continuum, indo do puro rumor ao fato concreto que enseja um pânico (então ampliado, hiperbolizado etc). Dependendo do grau de factualidade, a interpretação e análise sociológica e antropológica do pânico e da acusação de bruxaria deve ser diferente (portanto, essa não é uma questão de interesse meramente policial). Como argumentei, então,
(...) se determinado grupo acredita que uma poção pode matar, é uma questão etnográfica válida saber se tal poção, em alguns casos, possui componentes venenosos que, de fato, matam, ou não. Do contrário, a crença no poder letal de uma arma qualquer seria idêntica etnograficamente à crença no poder letal do mau olhado
(ARAUJO, 2019, p. 24).
Dialogando com antropólogos como Edith Turner (1993) e David Graeber (2019), eu defendi que era necessário inclusive levar a sério inclusive os discursos sobre espíritos, poderes mágicos etc, deixando em aberto a possibilidade de que alguns talismãs, poções, e fetiches etc talvez realmente funcionem, de alguma forma que ainda não sabemos explicar, afinal, “ser capaz de afirmar que algumas formas de magia na verdade não funcionam é o que torna possível afirmar que outras funcionam” – caso existam algumas que funcionem (GRABER, 2015, p. 34. Tradução minha).
Algo análogo frequentemente ocorre, no Ocidente e sua zona de influẽncia, com a categoria fascismo. Se, no caso da bruxaria, eu propus que a análise não se limitasse à interpretação simbólica das narrativas, mas levasse em conta a possível factualidade concreta delas, distinguindo a crença na eficácia mágica letal do fuzil da crença da eficácia mágica do mau-olhado (que talvez, em alguns casos, pode ser real também!), o mesmo deve ser feito com relação ao fascismo. Porém, se trata, aqui, de empreitada bem mais difícil, posto que a definição correntemente usada de fascismo é muito mais elástica e vaga do que a definição de bruxaria.
Em sociedades subsaarianas, todos concordam, em linhas gerais, ao menos, acerca do que é bruxaria e do que é ser um bruxo e acerca do que os bruxos fazem (ainda que seja objeto de controvérsia quem é realmente culpado da acusação de sê-lo). Nas sociedades ocidentais e ocidentalizadas, por outro lado, desde o pós-guerra, não é claro o que é fascismo nem o que os fascistas fazem. Neste texto, proporei que as categorias fascismo e fascistas são usadas como categoria acusatória e categoria residual, que funciona como uma espécie de sombra do projeto da modernidade, isto é, da utopia liberal-democrata por meio do qual o Ocidente constrói-se discursivamente e vê-se a si mesmo.
Porém, antes de será preciso primeiramente entrar no mérito factual da questão e, como no caso da bruxaria e magia, tentar determinar o que é fascismo segundo seus acusadores e o que é o fascismo segundo aqueles que se definem como fascistas (caso haja pessoas que o fazem) e ainda o que é o fascismo e quais são as suas características, caso ele exista - isto é, caso o discurso tenha algum lastro concreto em organizações e práticas na sociedade (coisa que frequentemente tem sido taken for granted sem nenhum rigor conceitual).
Por isso, a parte que normalmente seria parte propedêutica de um ensaio acabará por consumir uma parte considerável deste trabalho, mas isso decorre da natureza nebulosa de nosso objeto.
Fascismo - conceitos e usos
Contemporaneamente, têm sido acusados de fascismo (em colunas de opinião, reportagens, posts no Twitter - a Ágora de nossos tempos - e, frequentemente, en passant, em artigos acadêmicos) políticos e grupos como Vladimir Putin, Jair Bolsonaro[2], Kim Jong Un, Nicolás Maduro, Hugo Chávez, o MBL (Movimento Brasil Livre), o Partido Novo (brasileiro), o governador de São Paulo João Doria, Donald Trump etc etc.
2. Em outro local, eu argumentei que o fenômeno político Jair Bolsonaro não guarda semelhança nem com o Fascismo italiano histórico nem com os chamados fascismos (movimentos ultranacionalistas), mas antes com certo tipo de neoliberalismo não-nacionalista que deles se distingue em vários pontos essenciais (ARAUJO, 3 de fevereiro de 2020). Contudo, quando variados interlocutores chamam o presidente Bolsonaro (ou outros) de “fascista”, trata-se de um uso do termo como categoria acusatória. Basicamente, é uma forma de enquadrar certo movimento ou pessoa no domínio das trevas. Embora meu artigo de opinião em questão (ARAUJO, 3 de fevereiro de 2020) seja extremamente crítico a Jair Bolsonaro, ele foi ora interpretado como elogio a Bolsonaro (por negar que ele seja fascista), ora interpretado como elogio aos fascismos (por “passar pano” para o fascismo ao negar que alguém como Bolsonaro faça parte dele). Vejo isso como mais uma demonstração de necessidade de distinguir-se, como proponho aqui, Fascismo, fascismo e fascismos.
Manifestações de fascismo têm sido apontadas nos livros e filmes de fantasia épica similares à obra de Tolkien, em O Rei Leão da Disney (HASSLER-FOREST, 2019), no rock e Metal, na paixão pelo futebol, no gôsto por comer carne ou tomar leite, na música clássica, na musculação e halterofilismo e na jardinagem.
Por exemplo, em uma coluna de opinião, criticando os sindicatos e o Partido dos Trabalhadores, o escritor liberal-conservador Rodrigo Constantino escreve que “o fascismo nada mais é do que a união entre grandes grupos empresariais, governo e sindicatos poderosos” (CONSTANTINO, 2015). Em outra coluna de opinião, uma professora de esquerda, escrevendo em defesa da educação pública, fornece uma definição bastante parecida de “fascismo” quando escreve que o fascismo nada mais é “do que um sistema de governo em conluio com grandes empresas, que favorecem economicamente com a cartelização do setor privado, os subsídios às oligarquias financeiras e econômicas” (CONTI, 2019). Assim, “fascismo” é usado para descrever pejorativamente tanto um tipo de social-democracia com forte participação dos sindicatos (vistos como corruptos) na vida política quanto para descrever o neoliberalismo.
Outras definições são mais etéreas ou abstratas, devendo muito, direta ou indiretamente, a formulações de psicanalistas - Wilhelm Reich, por exemplo, definia o fascismo como um somatório de reações emocionais do homem comum, o “Zé Ninguém” (REICH, 2001), oprimido e sedento de poder . Para a filósofa Márcia Tiburi, o fascismo é "sobretudo, o desejo de aniquilação do outro". Ele também seria "nada mais" que "a deturpação da subjetividade operada pelos jogos de poder". Tudo isso se dá no quadro de uma guerra entre “Eros” e “Tanatos”, nas palavras da escritora (TIBURI, 2018). Há uma clara relação entre, de um lado, Ódio e Morte (Tanatos) e, de outro, Amor e Vida (o contrário da Morte).
As citações foram escolhidas de forma um tanto arbitrária (como é natural em qualquer seleção), contudo elas, e sobretudo a citação da M. Tiburi acima, tem algo de típica. Tal forma de pensar os fascismos situa esse tema no âmbito de uma teodiceia. Trata-se de pensar por que existe o Mal (ou o Ódio) no mundo, ainda que seja para, por vezes, lhe negar qualquer ontologia própria e inscrevê-lo na ignorância, na falta de certo conhecimento transformador.
Nesse sentido não-rigoroso, uso aqui a palavra “fascismo” sempre grafada em itálico, para referir-se a seu uso como categoria acusatória. No dizer dos antropólogos, é antes uma categoria nativa que uma categoria analítica. Contudo, aqueles que a usam, via de regra acreditam estar usando o termo em sua acepção mais rigorosa e científica. Eles acreditam estar falando do próprio Fascismo ou dos fascismos como categoria geral, na qual certos personagens ou movimentos ou atitudes claramente se enquadram. Excetuando-se os casos de uso retórico consciente e de guerra semântica e guerra narrativa (análogo ao que ocorre com termos como teoria da conspiração e fake news[3]), a acusação é feita de boa fé, por assim dizer - embora exista um continuum de possibilidades intermediárias.
3. Argumentei sobre as possibilidades de uso da categoria teoria da conspiração como arma semântica alhures (ARAUJO, 18 de fevereiro de 2020).
Definições de fascismo - o Totem da ciência política
A literatura clássica sobre os fascismos históricos e sobre os neofascismos oferece algumas definições. Acerca do fascismo histórico, eu destacarei a definição de alguns acadêmicos. Contudo, antes de fazê-lo, é preciso primeiramente ressaltar que fascismo, mesmo quando usado em definição rigorosa (para referir-se a movimentos nacionalistas anti-liberais dos anos 1930 e 1940), é um termo análogo às palavras totemismo e xamanismo.
Senão vejamos: quando lemos, nas enciclopédias ou na literatura especializada da antropologia e das ciências da religião, sobre xamanismo, deparamo-nos com definições como a de Mircea Eliade e Vilmos Diószegi, no verbete sobre “xamanismo” da Enciclopédia Britannica:
Xamanismo é um fenômeno religioso centrado no xamã, uma pessoa que, acredita-se, adquire vários poderes por meio do transe ou da experiência religiosa extática. Embora o repertório dos xamãs varie de uma cultura para outra, tipicamente se pensa que eles possuem a habilidade de curar os doentes, de comunicarem-se com o mundo sobrenatural e, frequentemente, de acompanhar os espíritos dos mortos no além
(ELIADE & DIÓSZEGI, s/d., s/ paginação. Tradução minha).
Assim, fala-se hoje em “xamãs” do sudeste asiático e da Amazônia e existe uma ampla discussão acadêmica acerca da adequação do conceito em cada caso. Ocorre que a palavra “xamã” ou “shaman” originalmente é uma palavra - “šaman” - presente nas línguas Manchu-Tungus ou línguas tungúsicas, um grupo que às vezes é classificado dentro das línguas altaicas, presentes em uma área que abrange a Sibéria oriental e a Manchúria (ELIADE & DIÓSZEGI, s/d., s/ paginação).
A partir da constatação de que fenômenos religiosos semelhantes ao fenômeno dos Xamãs ou šaman da Sibéria também ocorrem em outras partes do mundo, calhou de acontecer que se passou a chamar esse conjunto enorme de fenômenos em vários continentes de “xamanismo”, ao invés de cunhar-se um novo termo genérico. O Xamanismo siberiano é um conjunto específico de fenômenos que já não é homogêneo (nada é) e a categoria “xamanismo” dos antropólogos e cientistas da religião é uma categoria mais abstrata ainda.
A mesma coisa aconteceu com a palavra “totemismo”. Os termos “totem” e “totemismo” são variações da palavra Totem ou “doodem”, da língua indígena Ojibwe, da América do Norte, e refere-se a seres espirituais, objetos sagrados, símbolos etc que são relacionados a um clã, linhagem, tribo ou família nessas culturas (HAEKEL, s/ data, s/ pag.). Como se fala em “totemismo” (ou “totemismos”) na Oceania e outros continentes, ocorre que, por analogia, o termo foi apropriado e generalizado para designar uma série de fenômenos religioso-culturais presentes em outros povos e contextos e tornou-se um conceito da teoria antropológica - como se isso se desse “em homenagem” ao Totem ou doodem do Ojibwe.
Em suma, termos como “animismo” e “totemismo”, tal como são usados, em sua acepção mais geral, são, concluo, um tipo de neologismo criado por metonímia, substituindo-se o abstrato pelo concreto (ou pelo menos abstrato).
Na Europa, entre os anos 1920 e 1930, surgiram vários movimentos, organizações e partidos nacionalistas que possuíam semelhanças estéticas e programáticas: Falange Española, Parti Rexiste belga, Garda de Fier (Guarda de Ferro romena), Movimento Nacional-Sindicalista em Portugal e, entre vários outros, o Partito Nazionale Fascista de Benito Mussolini. Este último governou o Reino da Itália inteiro de 1922 até 1943 e, refundado como Partito Fascista Repubblicano, manteve controle sobre a Repubblica Sociale Italiana (a República de Saló) de setembro de 1943 a 1945, como espécie de protetorado ou "Estado fantoche" do Terceiro Reich alemão.
Saltava aos olhos de qualquer observador as semelhanças entre esses movimentos, expressando certo Zeigeist europeu (também exportado a outros continentes). No nível semiótico, as semelhanças entre indumentária, uniformes, uso da saudação romana com o braço estendido e similares fornecia um certo senso de identificação relativa ou afinidade entre os diferentes movimentos nacionalista europeus, ainda que houvesse diferenças importantes e conflitos entre eles (alguns desses movimentos eram vanguardistas e seculares, outros eram clericais; alguns eram urbanizantes e industrialistas; outros eram agraristas etc etc).
Contudo, não havia uma palavra genérica para designar o conjunto de tais movimentos nacionalistas de massas. Por algum motivo, seja por sua grande popularidade, à época, e visibilidade internacional, seja por ter inspirado e influenciado Hitler, o movimento Fascista de Mussolini foi visto como uma espécie de modelo paradigmático de todos esses partidos e movimentos nacionalistas do entre-guerras. Seu nome foi, assim, tomado de empréstimo para designar um tipo. A palavra “fascismo”, assim, tornou-se o termo guarda-chuva genérico, subindo um degrau na escala de abstração, assim como ocorreu com as palavras “xamanismo” e “totemismo”.
Para Stanley Payne, não foi por acaso ou por mera convenção que o movimento italiana Fascista deu nome a um conjunto de fenômenos, mas por ele ter sido, segundo Payne, o primeiro movimento importante (e, por bastante tempo, o mais influente) a exibir um determinado conjunto de características e a emergir como um novo tipo (PAYNE, 1995, p. 7).
Sendo assim, a palavra “fascismo”, mesmo usada em sentido rigoroso, pode se referir, enfatizo, a pelo menos duas coisas:
a) a um movimento histórico italiano específico, chamado Fascismo
e ainda
b) ao conjunto de movimentos nacionalistas que se assemelham ao Fascismo italiano, com certas características em comum, chamados genericamente de “fascismos”.
Daí se segue que é evidente que seria possível descrever, mesmo anacronicamente, movimentos do pós-guerra ou contemporâneos, como “fascistas”, para-fascistas ou neofascistas, contanto que possuam características centrais em comum - quase características essenciais, em termos aristotélicos - com os fascismos históricos ou com o Fascismo italiano, esse Totem.
Ao longo deste texto, tenho me referido ao Fascismo italiano histórico (pronuncia-se “faxismo” ou, em alfabeto fonético internacional, IPA, /faʃˈʃi.zmo/) sem grafar em itálico e sempre com a letra inicial grafada em maiúsculo como um nome próprio. Tenho, por outro lado, me referido aos outros movimentos preferencialmente no plural e como nome comum e também sem usar itálico (fascismos). Já quando me refiro aos usos não rigorosos do termo, como categoria acusatória, uso itálico, como nome comum (fascismo).
Quando historiadores e cientistas políticos propõem uma definição do(s) fascismo(s), eles não estão - a não ser quando explicitamente anunciado - mapeando o movimento italiano do ventennio, mas sim estão propondo identificar características em comum no conjunto dos fascismos históricos específicos (Rexismo, Falangismo etc).
Falamos portanto, recapitulando, de três usos da palavra fascismo:
Fascismo, movimento histórico específico [italiano] que leva esse nome,
categoria genérica da ciência política - conjunto dos fascismos, assim chamados por analogia e
categoria acusatória - “fascismo”.
Tais distinções, ainda que possam soar maçantes, são importantes para fins de rigor conceitual, que é ou deve ser uma das bases de qualquer investigação ou análise que se pretenda científica ou acadêmica. Como o Fascismo italiano per se, ironicamente, interessa muito pouco à nossa discussão, as definições acadêmicas de fascismo que veremos referem-se sobretudo a um conjunto de movimentos nacionalistas do entre-guerras. Porém, primeiros vamos às fontes primárias.
Definições de Fascismo e fascismos segundo Fascistas e fascistas
Benito Mussolini, o primeiro, que se sabe, a usar a expressão (derivando-o da palavra italiana fascio, que significa “feixe”), descreveu o Fascismo em "A Doutrina do Fascismo" (1932) como "totalitário", sendo o "Estado fascista" uma "síntese e uma unidade" totalizante de valores que "desenvolve e potencializa toda a vida de um povo".
Tendo exposto que sua concepção da vida é "uma concepção positiva" e "ética", que atribui a tudo um dimensão moral e tendo explicado que os Fascistas concebem a vida como "séria, austera e religiosa" (desprezando a "vida cômoda"), em um mundo que se apoia nos forças morais e responsáveis do espírito (MUSSOLINI, 1961 [1932] p. 118), na seção “Ideia Fundamental”, Mussolini, no item 5, define finalmente o Fascismo como:
uma concepção religiosa na qual o homem é visto em sua relação imanente com uma lei superior e com uma Vontade objetiva que transcende o indivíduo particular e eleva-o à condição de membro consciente de uma sociedade espiritual. Quem viu na política religiosa do regime fascista nada além de um reles oportunismo, não entendeu que o fascismo, além de ser um sistema de governo, é também, e acima de tudo, um sistema de pensamento
(MUSSOLINI, 1961 [1932] p. 118, Itálicos meus. Tradução minha).
Destacando outros aspectos dos outros itens, o Fascismo, para Mussolini, é, ainda, a doutrina que vê o mundo como não apenas material (tal como visto "superficialmente") nem como um mundo no qual o homem é um indivíduo ("separado de todos" e governado por uma lei puramente “natural”); vê, isso sim, o homem como indivíduo que “é também nação e pátria” e vê uma “lei moral” que o une a outros indivíduos em “uma tradição e uma missão”, missão essa que lhe impõe o dever de uma "vida superior" que, por sua vez, supera "os limites do tempo e do espaço"; uma vida na qual o indivíduo, por meio "da negação de si mesmo" e do "sacrifício" de seus interesses particulares e por meio de "sua própria morte" pode realizar sua existência "inteiramente espiritual" - sendo que é nela que reside “seu valor como ser humano” (MUSSOLINI, 1961 [1932], p. 117-8).
Nos itens 7 e 8 (p. 119), Mussolini deixa claro que que o Fascismo é "anti-individualista", entendendo que o indivíduo coincide com o Estado - que seria a "consciência e vontade universal do homem em sua existência histórica". o Fascismo é ainda "contra o liberalismo clássico", que teria esgotado sua função histórica (de reagir ao Absolutismo) pois o Estado teria se transformado “na própria consciência” do povo e “vontade popular”, tendo-se assim transformado na "verdadeira realidade" do indivíduo - uma realidade entendida como atributo do "homem real" e não daquele "fantoche abstrato" do liberalismo individualista. Nessa concepção total de Estado, não pode haver fora dele nem "indivíduos" e nem grupos como partidos políticos e classes. Assim, o sistema de Estado Fascista sindicalista/corporatista reconheceria as “necessidades” legítimas dos “movimentos socialistas e sindicalistas”, mas as resolveria conciliando-as na “unidade do Estado” (MUSSOLINI, 1961 [1932], p. 119).
Talvez seja oportuno citar, finalmente, o item 3:
Portanto, [o Fascismo partilha de] uma concepção espiritualista, também surgida reação geral do século [XX] contra o positivismo débil e materialista do século XIX. Anti-positivista, porém positivo: nem cético nem agnóstico, nem pessimista e nem passivamente otimista, como geralmente são as doutrinas (todas elas negativas) que colocam o centro da vida fora do homem que, com sua vontade pode e deve criar o seu mundo. O Fascismo quer o homem ativo e comprometido com a ação com todas as suas energias: o quer ciente de forma viril das dificuldades que existem e pronto para enfrentá-las. Ele concebe a vida como luta, pensando que cabe ao homem conquistar o que é verdadeiramente digno dele, antes de tudo criando em si mesmo o instrumento (físico, moral, intelectual) para construir. Isso vale para o indivíduo singular e para a nação, bem como para a humanidade. Daí se segue o elevado valor da cultura, em todas as suas formas (arte, religião, ciência) e a grande importância da educação. E também o valor essencial do trabalho, por meio do qual o homem supera a natureza e cria o mundo humano (econômico, político, moral, intelectual
(MUSSOLINI, 1961 [1932], p. 118. Itálicos meus. Tradução minha)
Portanto, neste texto doutrinário sobre o Fascismo, seu principal criador no-lo apresenta explicitamente como movimento religioso, como uma espécie de culto anti-individualista ao sacrifício, ao Estado e ao heroísmo - com sua própria antropologia[4] agonística e, no entanto, otimista. Não fica claro se a caracterização explícita do movimento como religiosa deve ser compreendida de forma literal ou como metáfora (ou ainda como um pouco dos dois). Vários estudiosos têm apontado as características religiosas do Fascismo de Mussolini, do Nacional-Socialismo de Hitler e dos outros fascismos. Não nos aprofundaremos nessa questão.
4. Uso aqui a palavra antropologia com o sentido de antropologia filosófica, isto é, com o sentido de uma concepção acerca da natureza do homem (do ser humano) e sua missão etc - assim como fala, por exemplo, na antropologia de Santo Agostinho e outros.
O espírito do Fascismo seria ainda, para Sergio Panunzio, sindicalista e ideólogo do Fascismo italiano, em termos mais mundanos, o sindicalismo nacional (PANUNZIO, 1924) - ainda com o mesmo foco na união anti-individualista e na Nação.
O recurso a fontes primárias aqui, note-se, visa re-historicizar o Fascismo (frequentemente confundido com os fascismos em uma espécie de categoria a-histórica, mesmo em discursos acadêmicos).
José Antonio Primo de Rivera, fundador da Falange Española, descreve fascismo (como categoria genérica na qual ele inclui seu próprio movimento) como "uma ideia de unidade", que se opõe tanto ao marxismo quanto ao liberalismo, apontando para algo que estaria além das classes e dos partidos (a Pátria). Tal sistema não pertenceria à direita (que almeja conservar tudo, “até as injustiças”) e nem à esquerda (que almeja “destruir tudo”). Nesse sistema, não triunfaria nem a classe mais rica nem o partido político mais numeroso, mas sim o "princípio ordenado comum a todos". Tal sistema seria o verdadeiro Estado de trabalhadores, no qual os sindicatos de trabalhadores “elevam-se à dignidade de órgãos do Estado” (PRIMO DE RIVERA, 1933).
Canção falangista famosa: "¡Fuera el capital! ¡Viva el Estado Sindical! Que no queremos reyes idiotas que no sepan gobernar; lo que queremos e implantaremos: el Estado Sindical" Note-se como tais versos poderiam ser confundidos com os de uma canção revolucionária de esquerda.
Já para Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira, o Fascismo seria um movimento que defende o Estado totalitário, diferente do seu Integralismo, que defenderia o Estado integral. Este objetivaria a harmonia entre os "grupos naturais" sem absorvê-los. Salgado distingue Integralismo de Fascismo, rejeitando a filosofia de Sorel como pensamento “materialista, evolucionista, darwiniano” (SALGADO, 1955, p. 443-449). É o entendimento professado ainda hoje pela Frente Integralista Brasileira, que se pretende herdeira do Integralismo (FRENTE INTEGRALISTA BRASILEIRA 2020).
Em suma, o Fascismo italiano via-se como um movimento espiritualista anti-liberal e anti-marxista e nacionalista, que valora positivamente a luta e defende um Estado forte corporatista. Algumas organizações fora da Itália normalmente classificadas como fascistas aceitavam tal rótulo e identificam-se com algumas dessas características (é o caso da Falange), outras, como o Integralismo rejeitavam/rejeitam tal identificação, ainda que possuam características em comum.
Uma nota sobre praxis e doutrina
Cabe ainda uma observação: é verdade que existe, não raro, uma discrepância entre discurso ou doutrina e práxis. Isso, contudo, ocorre (seja devido a “traições” e “conciliações”, seja devido a questões de inabilidade política ou conjuntura) com quaisquer movimentos que se proponham a levar a cabo mudanças na sociedade: por exemplo, liberais, uma vez no poder, aumentam impostos e criam tributos, assim como partidos de esquerda privatizam e cortam gastos etc etc.
No que diz respeito ao menos à parcela ideológica e politizada da militância, o que inspira e move seus afetos são, entendo, em algum grau, as ideias, conceitos, palavras-chave e mitos políticos - por isso (e também por limitações de espaço), foco aqui sobretudo textos doutrinários e discursos, mais do que análises da práxis e das políticas públicas implementadas por movimentos ditos fascistas quando no poder.
Definições acadêmicas de “fascismo”
Os fascismos frequentemente têm sido definidos, em grande parte, pela sua relação com a modernidade. Definir o que estamos chamando de modernidade, em sentido sociológico, seria interessante.
Para o antropólogo Louis Dumont (1985), a modernidade caracteriza-se pelo advento do individualismo. Anthony Giddens vê a modernidade como “estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII” e [se] “tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991, p. 11), embora não deixe de ser (a modernidade) um projeto universalizante ocidental. Mais especificamente, a modernidade ou a sociedade moderna referir-se-ia à “civilização industrial”, incluindo certas características como: a ideia de que o mundo está aberto à transformação pela ação humana; um conjunto de instituições econômicas, incluindo a economia de mercado e, finalmente, certas instituições políticas, como o Estado-Nação e democracia de massas (GIDDENS, 1998, p. 94).
Tal definição também poderia ser contraposta a outras, situando-a no debate acadêmico existente. Contudo, para nossos propósitos aqui, ela basta e não nos importará tanto problematizar ou definir precisamente a Modernidade, mas entender que existe um projeto de Modernidade, herdeiro de um projeto iluminista. Trata-se de um ideal de sociedade individualista e dessacralizada, com uma burocracia racionalizada, regida por instituições impessoais, Para nações periféricas, como o Brasil, a ideia de situar-se na modernidade e, por vezes, em um Ocidente[5] (moderno), funciona como um norte, tanto “temporal” (como se houvesse uma evolução unilinear comum a todos os povos e na qual estaríamos atrasados) quanto, em algum sentido, “espacial” (inserindo-se no “espaço” do Ocidente). Trata-se tanto de um cronos quanto de um topos, uma espécie de crono-topos - utópico, talvez. Esse problema, na verdade, coloca-se para todas as nações industrializadas. A modernidade está dada e, ao mesmo tempo, está em construção. É um projeto, um horizonte.
5. Samuel Huntington, em seu Choque de Civilizações, não inclui o Brasil nem a América Latina como parte da civilização ocidental (1997, p. 52-3) - esse é mais ou menos o consenso entre pensadores europeus e norte-americanos e no senso comum tanto europeu quanto norte-americano. Darcy Ribeiro, por sua vez, situa o Brasil em uma potencial civilização “neolatina”, sua “Nova Roma”, distinta do Ocidente (RIBEIRO, 1995, p. 61). Roberto DaMatta também vê a sociedade brasileira como não-ocidental e autoritária, hierárquica, em suma, “tradicional” (e não moderna) nos termos de Louis Dumont (DAMATTA, 1997). A inserção do Brasil na civilização ocidental (tal como elas a entendem) é um antigo projeto das elites brasileiras.
No que diz respeito aos teóricos dos fascismos, existe um grupo, aparentemente majoritário, que define tal fenômeno em larga medida a partir de sua suposta rejeição à modernidade e aos valores do Iluminismo. Parece ser o caso da maioria das definições propostas, como veremos logo mais.
Já outros, pelo contrário, vêem os fascismos como uma espécie de hipertrofia da própria lógica moderna da técnica e da razão - é como se uma utopia moderna de progresso e ciência “desandasse” em distopia monstruosa, como o sono da razão produzindo monstros, no famoso quadro de Francisco de Goya (“El sueño de la razón produce monstruos”) - ou ao menos na forma como ele é mais comumente interpretado.
É o caso de Zygmunt Bauman, que descreve especificamente o Holocausto e o nacional-socialismo alemão (usando a categoria fascismo) como a lógica da crença nas soluções científicas levada a seu extremo (BAUMAN, 1999 p. 39).
Stanley Payne, por sua vez, assumindo uma espécie de posição intermediária, considera que os fascismos de fato são o produto de certos aspectos do Iluminismo, mais especificamente aqueles derivados de conceitos modernos, seculares e “prometeicos” (PAYNE, 1995, p. 8). Porém, ao mesmo tempo, eles divergem de alguns outros aspectos da modernidade iluminista, por rejeitarem “o racionalismo, o materialismo e o igualitarismo”. Fazem-no, note-se, substituindo tais valores por elementos como um “vitalismo filosófico” e “idealismo” e ainda uma “metafísica da vontade” - sendo que todos esses elementos são também intrinsecamente modernos (PAYNE, 1995, p. 8).
Haveria, nos fascismos, um projeto de recuperar-se o verdadeiro sentido do que é natural e da natureza humana (esses, Payne bem observa, são conceitos do século XVIII) - em contraposição ao reducionismo e materialismo. Ou seja, para Payne, os fascismos fariam parte de uma espécie de lado B da modernidade, se assim podemos nos expressar.
Payne, referindo-se, aparentemente, tanto ao “fascismo”, quanto aos fascismos, admite que, dentre os conceitos políticos, este segue sendo um dos mais vagos. Essa admissão é comum na literatura especializada: Stephen Shenfield (2001, p. 3), por exemplo, também reconhece o mesmo. Para Payne, contemporaneamente (escrevendo em 1995), o termo é mais usado por seus oponentes - ou seja, como acusação - do que pelos proponentes. Os oponentes teriam sido os responsáveis pela generalização internacional do termo, desde, pelo menos, 1923. Payne observa que o termo tem sido empregado de forma meramente pejorativa, com o sentido de “violento”, “ditatorial”, “repressivo” etc, mas, argumenta, se tal definição for levada a sério, até mesmo alguns dos regimes do chamado socialismo real poderiam ser descritos como “fascistas”, o que retiraria do termo qualquer especificidade (PAYNE, 1995, P. 3).
Ele lembra que a maior parte do movimentos europeus do entre-guerras comumente chamados de fascistas não utilizavam o termo eles próprios e é por isso que alguns acadêmicos preferem referir-se a cada um desses movimentos pelo próprio nome, sem usar a categoria (fascismos) e alguns negam que, como fenômeno geral, tal coisa sequer tenha existido. Para ele, dos centenas de trabalhos sobre “fascismo”, a grande maioria sequer se dá ao trabalho de oferecer uma definição. Contudo, argumenta que o conceito de fascismo é útil para fins heurísticos e analíticos, como construto teorético ou tipo ideal (partindo-se dos dados empíricos sobre os movimentos nacionalistas do entre-guerras) e, assim, propõe sua própria definição (PAYNE, 1995, p. 4), que veremos logo mais.
O historiador alemão Ernst Nolte descreveu uma espécie de pacote básico para classificarem-se movimentos como fascistas, desde que contivessem certas características em geral negativas. O problema dessa definição, segundo Payne, é que ela não descreve o “conteúdo positivo” das filosofias fascistas nem seus objetivos econômicos (PAYNE, 1995, p. 5).
Roger Griffin, historiador britânico, por sua vez, descreveu, em 1991, o conjunto dos fascismos como sendo
um genus de ideologia política cujo núcleo mítico - presente em suas várias permutações - consiste em uma forma palingenética de ultra-nacionalismo populista
(GRIFFIN, 2013, p. 26. Tradução minha).
Aqui vale notar que a ideia de palingênese e o tema do “Novo Homem” tem raízes cristãs (vide São Paulo, Colossenses 3:10 e também Efésios 4:24).
Stanley concorda que o fascismo seja palingenético, mas argumenta que vários tipos de nacionalismo (conservador, esquerdista, moderado etc) também o são - e tem havido formas “não-fascistas” (no fundo, é um problema de definição) de populismo, tais como o Movimiento Nacionalista Revolucionario (MNR) boliviano de 1952, normalmente considerado um movimento de esquerda. Evidentemente, populismo é outro termo problemático e frequentemente acusatório. A definição sucinta de Griffin, para Stanley, não dá conta de alguns elementos que seriam essenciais.
Emilio Gentile, também no início dos anos 1990, caracteriza, no verbete da Enciclopedia Italiana (1992), os fascismos por meio de uma lista de dez itens descritos de forma complexa. Isso é um indício, para Payne, do quanto o que chamamos de fascismos fazem parte de um fenômeno singular e complexo (PAYNE, 1995, p. 5).
Sérgio Buarque de Holanda parece fornecer uma definição mais “neutra” ou “técnica” quando escreveu, em Raízes do Brasil, na edição de 1936, que o fascismo “nada mais é do que uma crítica do liberalismo em sua forma parlamentarista, erigida em sistema político positivo” (HOLANDA, 1936, p. 149).
Finalmente, Stephen Shenfield, na introdução de seu estudo sobre os fascismos na Rússia, após fazer uma revisão crítica da literatura, propõe sua própria definição para o conjunto dos fascismos:
o fascismo é um movimento populista autoritário que busca preservar e restaurar valores patriarcais pré-modernos dentro de uma nova ordem baseada nas comunidades de nação, raça ou fé
(SHENFIELD, 2001, p. 17. Tradução minha).
Para ele, os fascismos derivam-se de valores “pré-modernos”, de um tipo especificamente “patriarcal”. Decidindo-se explicitamente por deixar de fora da definição dos fascismos qualquer menção a socialismo ou capitalismo (2001, p. 14-5) e problematizando a natureza nacionalista dos fascismos (por conta de o Terceiro Reich supostamente colocar raça acima de nacionalidades), assim como Gregor o faz, Shenfield (2001, p. 16-7) chega a uma definição mais abstrata e mais inclusiva para os fascismos, o que o permite incluir nela os movimentos neoeurasianistas contemporâneos (que são até mesmo anti-nacionalistas) e permite-lhe prever, em 2001, que Putin tentaria construir um grande consenso patriótico na Rússia, incluindo nele os fascistas russos. Isso não ocorreu, embora, quase 20 anos depois, a grande imprensa e parte considerável mesmo do discurso acadêmico descreva o presidente russo como fascista. Como argumenta e demonstra a cientista política francesa Marlene Laruelle (ela própria crítica da política externa da Rússia e de Putin), Vladimir Putin não pode sequer ser classificado como nacionalista no contexto russo e os nacionalistas russos opõem-se a ele (LARUELLE, 2015).
A definição acadêmica de Shenfield para os conjunto dos fascismos, em algum grau aproxima-se mais daquela definição do senso comum de fascismo (usada como categoria acusatória): o fascista é o bárbaro, é aquele que está fora do mundo moderno (seja por ser pré-moderno, seja por ser uma caricatura de certos elementos da modernidade que rejeita outros elementos, cruciais) e quer derrubá-lo.
Um efeito “colateral” de tal definição é que ela pode incluir qualquer doutrina política asiática, africana ou mesmo latino-americana que não seja ocidental ou ocidentalizada. Assim, o cinema de Glauber Rocha e seu elogio dos elementos não-racionais da revolução; movimentos indigenistas que reconhecem a Mãe Terra como sujeito de direitos e que claramente extrapolam uma concepção laica e secular de Estado, que defendem o pluralismo jurídico, justiça tribal (que, não raro, inclui castigos físicos); o ambientalismo radical crítico da sociedade industrial; os hippies; o Hezbollah ou a Revolução Iraniana - todos esses grupos e movimentos poderiam ser classificados como fascistas.
O Reino do Fim da História, isto é, o Novo Mundo, Moderno, que o Ocidente criou, também tem seus inimigos. E eles são pluriformes.
Recapitulando, das tentativas de definições dos fascismos (como uma categoria analítica mais geral), no que pesem as controvérsias, salta aos olhos que os principais estudiosos do assunto enfatizam um caráter antiliberal (inclusive econômico) e um ultranacionalismo. Com base nisso, é plenamente possível argumentar, por exemplo, que algo como o governo do presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018, e sua retórica não guarda semelhanças com os fascismos históricos e nem mesmo com os neofascismos ou os chamados populismos de direita europeus (ARAUJO, 05 de fevereiro de 2020).
Contudo, se usarmos a definição de Shenfield (2001), mais abrangente, poderíamos, como já argumentado aqui, considerar fascistas não só os movimentos hippie, movimentos indígenas, os movimentos islamistas que defendem o governo baseado na lei islâmica ou sh’aria, movimentos hindus, monarquistas, o governo da Coreia Popular (Coreia do Norte) e muitos outros como também, talvez, o governo de Jair Bolsonaro, por seu desprezo às instituições.
Tal recorte, ainda que demasiado abrangente, faz sentido, a partir de uma perspectiva humanista-liberal, que é a perspectiva também de uma Utopia: a Utopia da Sociedade Aberta global. Nesse sentido, fascismo é categoria religiosa e demonológica: o fascismo é a sombra da Modernidade e a sombra do Ocidente ou ainda os detritos da Criação moderna (essa obra da humanidade iluminada), tal como as cascas vazias de Qliphoth ou Kelipot (קליפות) ao redor da divindade, na cosmologia cabalística de Isaac Luria (SCHOLEM, 1995, p. 10).
O medo do fascismo não raro é o temor de que forças indômitas, telúricas, selvagens, bárbaras (com muito custo soterradas), forças da paixão, do populismo, do atraso venham à tona e desnudem as pretensões de ordem, civilização, progresso etc. Tal fascismo seria, em suma, a sociedade moderna que falhou. E teima em falhar. Então, é preciso manter vigília constante para construir, na Terra, a Aldeia Global.
Contudo, para cogitar essa interpretação, seria preciso admitir o caráter utópico da própria modernidade.
A utopia da sociedade aberta
Como escreve John Gray:
A política moderna é um capítulo na história da religião. Os principais eventos revolucionários que influenciaram tanto a história dos dois últimos séculos foram episódios na História da fé: foram momentos no longo processo de dissolução do cristianismo e ascensão da moderna religião política. O mundo em que nos encontramos no início do novo milênio está repleto de ruínas de projetos utópicos, os quais, embora tenham se estruturado em termos seculares (negando a verdade da religião), eram, na verdade, veículos para mitos religiosos
(GRAY, 2007. Tradução minha - existe uma tradução brasileira, mas à época em que escrevi este artigo, não tive acesso a ela).
John Gray prossegue, argumentando que se o nacional-socialismo (nazismo) e o comunismo possuíam uma natureza utópica e religiosa (mesmo afirmando serem “científicos”), a visão conservadora e liberal não é diferente – e essa é a tese central de seu livro Missa Negra. A crença em um “Fim da História” que se aproxima, com um grande mercado livre global e um único tipo de governo (democrático) e um único sistema econômico (capitalista liberal, com concessões para formas de welfare state) - abrangendo desde os Papuas da Oceania até a China e toda as sociedades da África e Ásia - é basicamente uma crença utópica.
Pensemos em uma noção altamente específica de “Democracia” como algo necessariamente incluindo liberdade de imprensa, um sistema partidário (e preferencialmente multi-partidário), alternância obrigatória no poder (geralmente com um máximo de uma reeleição, no caso dos presidencialismos), um Estado explicitamente secular e uma separação de poderes políticos Montesquieuana – com Poder Legislativo bicameral... Tudo isso, claro, é altamente ocidental e europeu em termos da História de sua construção e dos valores e cosmovisão subjacentes a todo esse pacote específico.
No discurso ocidental ou ocidentalizante hoje, a noção mesma de democracia às vezes é concebida em termos ainda mais exclusivos: em alguns casos, incluindo somente sociedades que reconheçam o casamento homoafetivo e não criminalizem nem restringam a prática do aborto em nenhuma hipótese.
Espelhamentos
Em se tratando dessas construções discursivas sobre democracia (sempre ameaçada) e sobre ameaças fascistas, interna ou externas, curioso, por exemplo, é o caso da Rússia, que, de Império do Mal (segundo Ronald Reagan) parece, com a queda da URSS, ter-se transformado em Império fascista, nas narrativas ocidentais (e afirmar isso não é negar que exista ação repressiva estatal na Rússia).
Por exemplo, o historiador e cientista político estadunidense (filho de migrantes ucranianos) Alexander J. Motyl, em seu artigo de novembro de 2014, publicado na Foreign Affairs, defende explicitamente, no subtítulo do artigo (“The New Case for Containment”), uma contenção (levada a cabo por quem?) da Rússia, nos moldes do que teria sido supostamente necessário fazer com a União Soviética.
Citando o famoso artigo “The Sources of Soviet Conduct” de 1947 de George F. Kennan, publicado na mesma revista Foreign Affairs, Motyl argumenta que, assim como era necessário "conter" a União Soviética durante a Guerra Fria, segue sendo necessário hoje (em 2014, quando ele escreve) conter a Rússia. Embora a ideologia marxista não guie mais a política externa russa, Motyl vê uma certa continuidade: a União Soviética, que tanto Motyl quanto Kennan identificam com a Rússia, via "o resto do mundo" (talvez ele esteja referindo-se ao Ocidente) como sendo "hostil". E tal percepção justificaria a busca pelo "poder absoluto" na esfera doméstica bem como a busca pela expansão (MOTYL, Foreign Policy, 2014).
É claro que é problemático identificar de forma imediata a União Soviética com a Rússia, em termos de certo chauvinismo ou excepcionalismo russo, tendo em vista que uma das principais missões dos bolcheviques era precisamente combater o chauvinismo russo (ruskiie), incentivando ativamente as línguas nacionais e o despertar da consciência nacional de uma série de etnias, ao mesmo tempo em que se tinha em mente a criação do novy sovetsky chelovek, o Novo Homem Soviético (palingênesis?), um novo tipo humano, abrangendo diferentes nacionalidades no condomínio de nações soviético (MARTIN, 2001).
É problemático fazer tal identificação entre uma Rússia (supostamente nacionalista) e a URSS, tendo em vista ainda que a composição étnica dos bolcheviques e, posteriormente, do Partido Comunista da União Soviética era diversificada, com alta representatividade de etnias não russas (ruskiie), como povos do Cáucaso e judeus. O próprio Stalin tinha a aparência típica e os modos de um homem do Cáucaso, bem com o sotaque, claramente não-russo étnico.
Lendo-se o artigo de Motyl, é quase impossível não pensar no tema do espelhamento. Em sua dissertação, “Espelho ante espelho”, Bruno Reinhardt aborda a chamada “guerra santa” no Brasil entre a Igreja Universal do Reino de Deus e seu tipo singular de pentecostalismo e, de outro lado, as religiões afro-brasileiras (REINHARDT, 2006). Ele recorre à imagem de um jogo de espelhos, essa dinâmica na qual atores em conflito, espelham-se.
Embora os termos do espelhamento de que trata Reinhardt sejam outros, no discurso político e religioso acusatório ou de denúncia, é comum que o inimigo seja acusado, pintando-se dele um retrato que, involuntariamente, espelha a imagem de quem o acusa ou do partido defendido pelo acusador - sem que isso seja consciente. Constatar isso não implica necessariamente em descartar a descrição que foi feita do inimigo, mas é importante que o espelhamento permaneça oculto: o não-dito tem um papel importante nessa dinâmica em que os reflexo no espelho também faz as vezes de sombra.
Motyl e Kennan descrevem uma Rússia (seja soviética ou a de Putin) excepcionalista (uma civilização que se considera superior) e também paranoica, hostil, agressiva - visando a expansão. Concluem que é necessário que o “Ocidente” (obviamente liderado pelos EUA) aplique contra ela o containment ou contenção.
Ora, ver o resto do mundo como potencialmente hostil e buscar a expansão das suas zonas de influência tem caracterizado a política externa dos EUA pelos últimos cem anos. O intervencionismo americano decorre em larga medida de sua ideologia de excepcionalismo (“a city upon a hill”, que remonta aos fundadores Puritanos (GUTH, 2012).
Um espectro parece rondar o Ocidente: o espectro do fascismo - ainda que não raro tal espectro seja construção discursiva e espelho.
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