Epicuro foi um filósofo grego que viveu durante o período helenístico. Fundador de uma importante escola filosófica que viria a florescer por séculos, Epicuro nasceu na Ilha de Samos em 341 A.C. e veio a falecer no ano de 270 ou 271 A.C. em Atenas. O seu nome significa, do grego antigo, “aliado” ou “camarada” e simboliza de maneira muito conveniente um dos pilares de seu sistema ético, a amizade. Influenciado por Demócrito, Aristipo de Cirene, Pirro de Élis e inspirado pela observação do mundo natural, Epicuro concebeu um sistema ético que tem como princípio a procura e a valorização permanente do prazer e o afastamento da dor.
Para Epicuro, um ardoroso empirista, o mundo pode ser mensurado pela racionalidade e pelos sentidos e o homem pode ser entendido essencialmente como um ser racional capaz de determinar o próprio destino e alcançar a serenidade de espírito; a finalidade de uma vida feliz. De acordo com a doutrina epicurista, a felicidade é um estado caracterizado pela aponia, a ausência de dor física, e a ataraxia ou imperturbabilidade da alma.
Segundo José Américo Pessanha [1], é importante notar que a ética, para o homem grego antigo, era compreendida sobretudo como uma estética da existência, isso é, a busca pela realização de um determinado estilo de viver que na Grécia antiga estava alinhado a uma concepção holística da realidade — o homem grego antigo via no cosmos um modelo de beleza e ordem que lhe servia de paradigma ético. A busca pela excelência, pela virtude, por um bem supremo, caracterizava a caminhada ética do homem e da cidade (pólis), através de um determinado estilo ou modo de ser.
Não obstante, no contexto helenístico de decadência do ideal da pólis devido à ascensão e domínio do Império Macedônio, o pensamento ético passa então a desenvolver um programa voltado para a interioridade do homem. Um programa de autodomínio, de cuidado com alma, de busca pelo conhecimento ou esclarecimento da natureza das coisas, que, no caso de Epicuro, estava baseado no atomismo de Demócrito.
Para Epicuro, o bem supremo estava identificado com a ideia de prazer: o início e o fim último de uma vida feliz, conforme comprovamos em sua Carta a Meneceu. É necessário, todavia, esclarecer qual é essa ideia de prazer que tinha Epicuro e afastar em definitivo as distorções e interpretações equivocadas que acompanharam a sua filosofia ao longo da história. Nesse sentido, a Carta a Meneceu se mostra extremamente esclarecedora porque nos demonstra que, ao tomar o prazer enquanto fim último, Epicuro não está se referindo aos prazeres relacionados ao gozo dos sentidos, simbolizados pela menção às bebidas, banquetes ou a posse de mulheres e rapazes, “objetos de desejo dos intemperantes”.
Em Epicuro, prazer significa, em síntese, ausência de dores no corpo e de perturbações na alma, condições necessárias para alcançar a serenidade de espírito, o objetivo último do homem:
“Prazer para nós significa: não ter dores no âmbito físico, e não sentir falta de serenidade no âmbito da alma. Pois uma vida cheia de ventura não é formada por uma sequência infinita de bebedeiras e banquetes, pelo gozo de belos mancebos ou de lindas mulheres, nem tampouco pelo saborear de deliciosos peixes ou de tudo aquilo que uma mesa cheia de guloseimas possa oferecer; mas, pelo contrário, somente pelo pensamento claro, que alcança a raiz de todos os desejos e de tudo o que se deve evitar e que afugenta a ilusão que abala a alma como se fora um tufão” [2].
No entanto, alcançar esse estado significa operar uma transformação interior que requer extremo autodomínio e, portanto, pressupõem uma permanente gestão ou administração de si mesmo. A coroação dessa escalada espiritual é a conquista da autarcia; a independência do homem em relação às circunstâncias e fatores exteriores que causam o sofrimento.
No âmbito social, essa caminhada é marcada pelo afastamento das turbulências da vida política da cidade e as suas disputas pessoais, ao passo que no âmbito pessoal representa a capacidade de superar as doenças e os vícios da alma e do corpo, superar a pobreza ou privação, assim como de quaisquer outros constrangimentos que se apresentem como obstáculos à procura pela serenidade de espírito.
É nesse contexto que nasce o Jardim de Epicuro. Um espaço afastado das circunstâncias agitadas da vida pública destinado a receber um grupo de pessoas unidas pelo elo da amizade — uma espécie de comunidade entre pessoas que compartilham o mesmo estilo de vida e cujos esforços estão voltados à busca de uma vida serena e feliz. Foi nessa escola e comunidade, que aceitava abertamente mulheres e escravos, que Epicuro e seus discípulos encontraram um espaço propício para a atividade filosófica.
É nesse jardim, localizado nas cercanias de Atenas, que os antagonismos da pólis são deixados de lado em favor da fraternidade, da amizade, dos diálogos, do que Epicuro denominou como amor à sabedoria.
Nesse sentido, a amizade, o sentimento que une esse grupo de amigos que se estimulam reciprocamente a permanecer na busca pela felicidade, imita os deuses à distância, não no sentido de que os deuses devam obrar pela libertação dos homens, mas porque figuram como modelo justamente em razão de estarem afastados da vida humana vivendo em serenidade, assim como os homens que estão afastados da pólis. De certa maneira, o jardim funciona também como uma casa editorial, que produz textos, cartas, escritos divulgando a doutrina epicurista.
É fundamental destacar a importância do atomismo de Demócrito no desenvolvimento do pensamento ético epicurista, que realiza uma reformulação da doutrina do filósofo pré-socrático. Para Epicuro, a fatalidade do movimento mecânico dos átomos, partículas formadoras de toda a realidade, é rompida pela possibilidade do clinâmen; o desvio imprevisível.
Essa propriedade do universo físico encontra sua correspondência analógica na capacidade do homem de dominar a própria existência pelo estabelecimento de um caminho racional em busca da felicidade, isso é, a liberdade pessoal é imprescindível para a caminhada em direção à felicidade; é necessário superar o fatalismo das circunstâncias, superar o sofrimento que as contingências impõem e estabelecer o próprio itinerário, um caminho próprio de libertação.
Essa possibilidade representa por excelência o princípio epicurista de liberdade da alma. Em outra perspectiva, como destaca Pessanha, a metáfora da saúde do corpo como modelo para a saúde da alma e vice-versa reforça a visão integral e unificadora entre física e ética que dirigiu o pensamento de Epicuro e de outros sistemas da antiguidade helênica.
Assim, se a ênfase do agir ético reside na capacidade do homem de se autodeterminar frente ao mundo, para um epicurista, a vida virtuosa está ao alcance de todos a despeito de quaisquer circunstâncias adversas que encontremos nos mundos interior e exterior.
Referências:
[1] https://www.youtube.com/watch?v=qTiqU580z1I
[2] EPICURO. Pensamentos, texto integral. 1. Ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2006.