Um amigo me enviou um texto sobre Gilberto Freyre escrito por Olavo de Carvalho em 1999 como introdução a uma edição de Casa-Grande & Senzala lançada na Romênia: Gilberto Freyre: maior que a própria imagem.
Além da profunda admiração a Freyre -- que Olavo considerava não só como um vanguardista e gênio da mesma estatura de Weber, porém fundador de toda uma nova metodologia científica --, o artigo traz elogios à interpretação marxista de Caio Prado Júnior, a Darcy Ribeiro e, vejam só como as coisas são, a Getúlio Vargas.
Getúlio é descrito por Olavo como o líder de um movimento político que abriu possibilidades imensas para o país e descobriu a consciência nacional. Mais ainda, Vargas teria sido promotor consciente da alta cultura, homem culto ele próprio e capaz de ler as minúcias e sutilezas da alma humana:
"Vargas, homem culto e conhecedor certeiro da alma humana, não se contentava em proteger, desde fora e na posição de mecenas oficial, as manifestações da cultura. Ele as compreendia profundamente, com notável visão intuitiva da contribuição que cada uma, com as extremas diferenças individuais que as singularizavam, trazia à definição do perfil nacional."
Trata-se de um discurso sobre Vargas, da parte de Olavo de Carvalho, que pode até surpreender muitas 'olavetes', que não percebem as múltiplas 'encarnações' que o Olavo teve ao longo da vida. Ele nem sempre foi o 'guru da Virgínia': nos anos 1980, chegou a escrever contra o imperialismo norte-americano em tom que poderia ser mobilizado por qualquer pessoa de sensibilidade de esquerda e/ou nacionalista. Nos anos 1990, ele mudou: já era o intelectual liberal-conservador e católico de tons perenialistas [discípulo de Schuon], tentando conciliar o individualismo com o Tradicionalismo, e crítico ferrenho do uspianismo e do ''marxismo cultural''. Naqueles tempos, ainda era o Olavo que criticava de modo ferrenho o Império norte-americano [tese de 'O Jardim das Aflições' que mais tarde ele garantiu, com muito exagero, ter sido precursora da tese da obra 'Império', dos pensadores marxistas Antonio Negri e Michael Hardt].
Ao longo da década seguinte, a histeria anti-petista de Olavo aumentou em progressão geométrica [sou também crítico ferrenho do petismo, porém Olavo levou o anti-petismo ao extremo caricato]. Quando se mudou para os EUA, Olavo de Carvalho deu uma guinada imensa em seus posicionamentos públicos, apoiando a chamada Guerra ao Terror, o projeto do Novo Século Americano, e as justificativas do neoconservadorismo ianque, a saber, a luta contra o Islã. Sim, nascia um Olavo de Carvalho islamofóbico, que deixava de lado as posturas até então Tradicionalistas e as teses que defendera durante anos. Nasci aí o ''guru da Virgínia'', que dizia que o Ocidente seria salvo por uma aliança entre a maçonaria e o 'cristianismo puro e simples', e que jurava que, do Brasil, não sairia culturalmente mais nada que valesse a pena; que era melhor que sofrêssemos uma intervenção internacional para evitar a construção de uma nova União Soviética, só que dessa vez na América Latina. Essa última 'encarnação' é a que marcou definitivamente a ascensão da 'nova direita' brasileira, mas com uma pitada de russofobia na medida em que os ianques deixaram de mirar o Islã como principal bode expiatório geopolítico. Um Olavo, em suma, bastante distante daquele capaz de elogiar Freyre, Darcy Ribeiro, Caio Prado Júnior e Getúlio Vargas em um mesmo texto.
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