Ainda é bastante comum, nas discussões nessa terra sem lei chamada de ‘redes sociais’, que seja evocada a figura do ‘pobre de direita’. O ‘pobre de direita’ é quase como uma carta de tarô, um arquétipo, um símbolo que supostamente diz tanto que nada mais precisaria ser dito a respeito.
O pobre de direita seria aquela figura que, por razões somente diagnosticáveis via marxismo, resolve ‘trair sua classe’ e adotar os princípios norteadores da classe ‘opressora’. A carta tem sido novamente sacada no episódio em que a funkeira Jojo Todinho se declarou como sendo de direita. Ora, antes de sacar a carta do ‘pobre de direita’, a esquerda deveria antes fazer uma autoanálise sobre o quanto ela própria vem traindo os interesses da classe trabalhadora em prol do chamado paradigma identitário, paradigma que segue sendo, não por acaso, condição de financiamento imposta pelo sistema bancário internacional.
A esquerda atual, vermelha como a logomarca de certo banco, pede que a classe trabalhadora abra mão de seus valores familiares, morais e religiosos em troca de absolutamente nada – a não ser pela abstração identitária que irá tornar sua vida ainda mais complicada. Ora, a conta não fecha. Não por acaso tem surgido atores identificados com o trabalhismo cristão que busca resgatar a defesa da classe trabalhadora em seus legítimos interesses e demandas (inclusive culturais), sem a obrigar a engolir a cartilha identitóide.
Mas, se existe de fato a carta do ‘pobre de direita’, também se pode dizer que existe, complementar a ela, a carta do ‘rico de esquerda’. Menos explorada, é verdade, porém fácil de ser provada, através por exemplo, da preferência do eleitorado mais rico de São Paulo por Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura.
O rico de esquerda é normalmente um representante de determinada elite cultural, identificado com as pautas identitárias e afogado em culpa, culpa esta que busca redimir ao filiar-se a pautas tais.
O fato é que, ainda que os dirigentes e alguns pensadores políticos sigam reproduzindo a teoria clássica de uma esquerda associada às classes subalternas, enquanto a direita representaria os interesses das classes economicamente favorecidas, o jogo em parte já se inverteu: por ter a política escorregado quase que totalmente para o campo moral e das guerras culturais, é mais fácil um ‘pobre’ trabalhador se identificar hoje com o campo da direita, do que com a esquerda identitária, que, por sua vez, representa melhor hoje uma certa elite, não exatamente econômica, mas culturalmente hegemônica no cosmopolitismo atual.
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