O pesquisador Paulo Cruz, filósofo e mestre em Ciências da Religião, trouxe, em conversa no canal do Sol da Pátria, um olhar crítico sobre o racismo no Brasil, indo muito além das abordagens convencionais. Cruz contesta tanto a visão hegemônica da esquerda progressista (que, em sua análise, enxerga o racismo de forma extremada e maniqueísta) quanto aquela da direita brasileira, que, por sua vez, frequentemente nega totalmente o racismo existente. Em sua argumentação, o filósofo propõe uma compreensão mais ampla do racismo, marcada por um “imaginário de subalternização do negro” enraizado na cultura brasileira.
Para ele, o racismo no Brasil é singular, visto que não corresponde diretamente a estruturas legais segregacionistas históricas como era o caso do apartheid sul-africano ou as leis "Jim Crow" nos Estados Unidos. Por outro lado, Cruz sugere que o racismo aqui está sim enraizado de forma sutil na mentalidade coletiva, a partir de uma herança de desigualdade social e econômica que historicamente relega as populações negras a uma posição de subalternidade. Ele aponta como isso se reflete no preconceito cotidiano:
“No Brasil, quando alguém vê um homem negro de terno em um shopping, há uma tendência de associá-lo ao papel de segurança. É uma visão cultural, não só um preconceito individual, mas parte daquilo que chamo de uma cultura de subalternização do negro.”
Cruz é crítico do conceito de “racismo estrutural” proposto pelo acadêmico e ex-ministro Silvio Almeida. Segundo ele, a ideia de que as estruturas econômicas, sociais e políticas perpetuam automaticamente o racismo é uma "falácia", pois tal visão presume, em tal correlação, uma causalidade que não pode ser comprovada diretamente. Em sua visão, o racismo está mais relacionado às atitudes e mentalidades dos indivíduos do que a uma ação inerente e impessoal das instituições.
“Eu não acho que as instituições em si sejam racistas, mas que a mentalidade das pessoas, como juízes e advogados, reflete preconceitos que estão enraizados na cultura. Não é uma estrutura que se autoalimenta, mas um ciclo perpetuado pelas crenças dos indivíduos que estão em posição de poder.”
Mais ainda, ele valoriza o legado de figuras históricas como André Rebouças, engenheiro e abolicionista negro, cuja atuação foi fundamental para o movimento abolicionista brasileiro, mas que raramente é celebrado na historiografia nacional. Segundo Paulo Cruz, Rebouças não apenas articulou as ações do movimento, mas também vislumbrou um projeto de reforma agrária para dar suporte aos negros recém-libertos, demonstrando uma perspectiva de justiça social rara para a época. Cruz destaca:
“André Rebouças foi o grande cérebro da abolição, sem ele, o movimento teria sido apenas uma fantasia. Sua articulação intelectual e sua luta não são reconhecidas como deveriam, pois ele foi essencial para que a abolição ocorresse de maneira efetiva.”
A contribuição de GIlberto Freyre também foi abordada - para Cruz, o projeto de Freyre, de uma sociedade mestiça, é combatido justamente pelas elites políticas identitárias na USP e alhures.
Com esses pontos, Paulo Cruz propõe uma reflexão sobre a importância de um olhar mais abrangente para o racismo no Brasil, considerando suas raízes culturais mas também os problemas econômicos e multi-fatoriais - e propondo um combate que vá além das polarizações ideológicas, sem negligenciar as complexidades de nossa história e sociedade.
Cruz também reconheceu que a única forma de combater desigualdades raciais no Brasil sem identitarismo envolveria um projeto nacional de reindustrialização para gerar emprego e de combate ao capitalismo rentista - a conversa é mais uma demonstração de que como, com um foco nos pontos de convergência, é um possível um diálogo entre trabalhistas, conservadores e mesmo liberais a partir do momento em que se tem por horizonte a causa nacional.
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