Traduzido e adaptado de "Secret Service under suspicion amid contradictions in Trump’s attempted assassination", pelo próprio autor
As contradições sobre a tentativa de assassinato de Donald Trump acumulam-se, com graves falhas de segurança - autoridades alegam que é necessária uma investigação para determinar se foi uma questão de mera incompetência ou de cumplicidade.
Para começar, de acordo com a ABC News, “autoridades policiais que investigam a tentativa de assassinato de Donald Trump disseram aos legisladores na quarta-feira que 20 minutos se passaram entre o momento em que os atiradores do Serviço Secreto dos EUA avistaram pela primeira vez o atirador em um telhado e o momento em que os tiros foram disparados contra o ex-presidente". Como explicar isso?
Além disso, é notório que testemunhas no local alertaram as autoridades sobre a presença de um homem armado em um telhado próximo. Uma testemunha relatou isso à BBC logo após o incidente.
Mais ainda: as autoridades locais na Pensilvânia queixam-se de que o Serviço Secreto, numa tentativa de se eximirem da culpa, estariam tentando jogar a batata quente para a polícia local. Segundo um agente da polícia local:
O Serviço Secreto veio aqui com mais de um mês de antecedência e reuniu-se com todas as agências locais. Eles nos dizeram exatamente o que fazer, exatamente o que queriam e exatamente como queriam. A responsabilidade é toda deles.
Outro dado intrigante é que várias testemunhas descrevem um segundo atirador e, aparentemente, várias filmagens feitas com telefone celular indicam isso - embora o Serviço Secreto insista que houve apenas um. De acordo com uma matéria do Times of India,
uma análise forense de áudio conduzida por especialistas do Centro Nacional de Análise Forense de Mídia da Universidade do Colorado, em Denver, sugere a possibilidade de um segundo atirador no incidente.
Uma matéria da CNN, por sua vez, relata que “a análise forense sugere que até três armas foram disparadas no comício de Trump”.
Stephen Bryen, especialista em segurança, leva a sério as alegações sobre um segundo atirador e, em seu boletim informativo no Substack (sua newsletter), pede uma “investigação sólida do FBI com supervisão do Congresso” sobre o assunto. O especialista ressalta que “há um consenso geral de que a segurança no Comício de Trump foi fraca”, e acrescenta:
Se o Serviço Secreto realmente aprovou todas as medidas de segurança…perguntamo-nos, assim como milhões de pessoas, sem dúvida, se perguntam, como é que puderam ignorar os telhados?
Bryen não é uma figura qualquer - ele é um ex-subsecretário adjunto de Defesa, que escreve para a Newsweek, o Centro de Política Judaica (Jewish Policy Center) e outros veículos.
Cory Mills, membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos (a câmara dos deputados), leva a questão um pouco mais longe, chegando a dizer que é necessária uma investigação mirando o Serviço Secreto para determinar se o ocorrido foi meramente incompetência ou se envolveu alguma cumplicidade, com a intenção de neutralizar Trump.
Cory Mills é ex-militar e foi membro do Comando Conjunto de Operações Especiais (Joint Special Operations Command - JSOC) no Iraque. Ele também é um empresário na área de Defesa e Segurança, com mestrado em relações internacionais e resolução de conflitos pela Universidade Militar American (American Military University). Novamente, não se trata de uma figura qualquer, e suas declarações chamam a atenção.
Tendo em conta tudo o que foi dito acima, não é de se admirar que não faltem suspeitas – nesse clima, o facto de a Diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, ser muito próxima ao casal Biden certamente não ajuda. De acordo com o New York Post, ela “foi parar neste cargo em grande parte graças ao relacionamento próximo que tem com a primeira-dama Jill Biden”. A propósito, em qualquer outro país, depois de tal escândalo, o diretor (ou diretora) do Serviço Secreto já teria sido demitido ou teria renunciado. Um fator que dificulta um exame mais aprofundado da questão, no entanto, está relacionado a uma característica cultural americana: como seja, a aversão a tudo quese pareça com “teorias da conspiração” (o que é bastante irônico em se tratando de um país onde as conspirações abundam). Aqui, cabe um pouco de contexto.
A maioria dos estudiosos admite que às vezes as teorias da conspiração (TC) comprovadamente são pelo menos parcialmente corretas. Supõe-se que uma TC “verdadeira” ou ideal seja sempre falsa – ou seja, contém uma narrativa que não descreve a realidade. No entanto, o que acontece quando novos dados mudam a história “oficial”? Por exemplo, hoje em dia sabe-se que, em 1962, o Departamento de Defesa dos EUA propôs uma operação de bandeira falsa (a Operação Northwoods), que incluía agentes (operatives) da CIA cometendo ataques terroristas contra civis e alvos militares americanos em cidades americanas (com bombardeamentos e sequestros). O objetivo dessa operação clandestina seria justificar uma invasão a Cuba. O então Presidente John F. Kennedy rejeitou o plano, mas a proposta era séria, existiu, e ninguém nega ese fato.
Em todo caso, não é muito claro em quê exatamente uma teoria da conspiração “correta” (isto é, uma que mais tarde se revela verdadeira) difere de uma teoria falsa. Por exemplo, foi "teoria da conspiração" quando os críticos afirmavam que o governo dos EUA havia mentido sobre as verdadeiras motivações que o levaram a invadir o Iraque? Já outros autores definem “teoria da conspiração” de uma forma mais neutra como quaisquer hipóteses que tentem explicar um acontecimento por meio de uma “conspiração” – ou seja, um plano secreto levado a cabo por um grupo de pessoas.
Deve-se também ter cuidado para evitar equiparar uma mera TC (sobre qualquer coisa) e uma forma conspiratória de compreender a sociedade e a história em geral - ou seja, o conspiracionismo. Este último sustenta implicitamente que nada acontece por acaso, mas sim que tudo (especialmente as tragédias) acontece intencionalmente. Conspirações existem, claro, mas nem tudo é conspiração. Por outro lado, diante de um grande acontecimento politicamente carregado, quando várias contradições se acumulam, seria ingênuo descartar prontamente tudo como uma “coincidência” (eu descreveria isso como uma “teoria da coincidência”).
Com a inegável senilidade de Biden piorando a olhos vistos, fica cada vez mais nítido que ele não está em condições de concorrer à presidência novamente – mal consegue participar de debates ou dar entrevistas coerentemente. Diante disso, a questão, como já escrevi, é como, então, ele pode governar - ou, melhor dizendo, como é que ele tem governado dessa forma? Em outras palavras, quem tem governado? Há quem fale de um “triunvirato”, referindo-se aos conselheiros mais próximos de Biden (Bruce Reed, Mike Donilon e Steve Ricchetti) – de qualquer forma, a questão (acerca de quem tem exercido a governança de facto) está longe de ser clara. Pode-se apenas imaginar imaginar a quantidade de intriga palaciana acontecendo em meio a esse cenário do tipo “o rei está nu”.
Com tamanha crise política em curso, qualquer investigação mirando o Serviço Secreto será transformada em arma pelos Republicanos contra os Democratas - ou será abafada pelos Democratas, em meio a uma grande guerra de narrativas e de alegações sobre “teorias da conspiração”. A crise é, portanto, também epistêmica, por assim dizer.
Tal situação só pode minar ainda mais a legitimidade das instituições americanas, com graves consequências para a estabilidade do país. Com uma tentativa de homicídio contra um candidato presidencial bastante suspeito e com um presidente em exercício embaraçosamente senil, o resto do mundo observa preocupado enquanto a política da superpotência atlântica enlouqueceu.
As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria
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