Confira também a parte 1 deste texto
Parece que Quintas não entendeu minha resposta. Repito de maneira ainda mais direta e simples: A translatio imperii é realizada do Império Romano [que os latinos mais tarde chamaram de ''império bizantino''] para a Rússia por ação dos próprios Imperadores Romanos, da elite intelectual hesicasta [monges athonitas de ascendência grega e eslava] e de casamentos entre os governantes de ambos os Impérios.
Não é, portanto, uma ideia criada a posteriori pelos russos nem uma ideia sem qualquer organicidade ou apartada do processo histórico.
Quintas diz que a herança ocidental da primeira Roma é muito mais direta que a russa de Constantinopla. O argumento é que os russos seriam mais diretamente vinculados a eslavos e mongóis. Porém, esta uma argumentação problemática.
A civilização europeia nasce, segundo a perspectiva clássica de Henry Pirenne, quando o Mediterrâneo é bloqueado pela presença dos sarracenos. Ela se desenvolve, a partir de então, como uma civilização centrada no norte do continente, apartada das demais civilizações mediterrâneas, e com um substrato fortemente germânico.
Muitos cristãos ortodoxos consideram o cristianismo da Europa [ocidental] medieval mais propriamente germânico do que latino. Grande parte das instituições jurídicas e sociais medievais tem origem acentuadamente germânica, não romana.
É verdade que a romanidade permaneceu na Igreja Católica, especialmente nas teorias de poder em torno do Papado. Mais tarde, esse aspecto da romanidade presente no Direito Canônico e no Papado [Direito Público Romano] foi retomado pelos Estados Absolutistas quando do nascimento da Modernidade [vide Perry Anderson].
Só que o Ocidente Iluminista reivindicado por Quintas se formou em oposição a esse legado. Em oposição à Igreja e em oposição ao Absolutismo. Para isto, mobilizaram, sim, conceitos e reinterpetações do legado pagão, tanto de origem grega quanto da Roma Republicana [um legado indireto, portanto]. Mas em oposição ao Império Romano e ao cristianismo. O objetivo principal dos iluministas era "libertar" os indivíduos dessas tradições.
Quintas diz que o mito importa pouco, e afirma ser ''racional e lógico''. Mas os romanos não colocavam a racionalidade e a lógica acima do mito. Os cristãos [ele diz que tem raiz católica-romana] tampouco colocam. Quem coloca a razão e a lógica acima e autônoma em relação ao mito é o Ocidente Iluminista, que não é nem romano nem cristão, e sim um Universalismo concorrente aos dois anteriores.
E eu, como cristão, creio sim no retorno de Cristo, do Grande Rei, no combate final contra o Diabo etc. Como brasileiro, sou fortemente vinculado ao mito sebastianista, inclusive [expressão do mesmo imaginário]. Que um iluminista ria desses elementos é só mais do mesmo, assim como eu rio dos mitos iluministas do progresso, rio do racismo e rio do mito da "autonomia da razão".
Como eu disse, cada civilização com seus próprios mitos. O Brasil também tem os seus, e não nos considero um fracasso por ainda não termos sido na História aquilo que já somos enquanto ideal.
Não cair na russofilia doentia de certa direita [e também de certa esquerda] é importante e necessário, mas não justifica, de forma alguma, caminhar para o extremo oposto: um abraço acrítico à propaganda ocidental e aos bodes expiatórios que essa propaganda constrói.
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