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Foto do escritorUriel Araujo

União Europeia dá o “sinal verde” para a Ucrânia - fazendo vista grossa aos direitos de minorias


A Comissão recomenda que o Conselho (da União Europeia) abra as negociações para a entrada da Ucrânia no bloco”, declarou a Comissão Europeia na semana passada, dando assim "sinal verde" às negociações de adesão do país à União Europeia (UE). Essa recomendação deixou Kiev um passo mais perto de se tornar membro, assim que a nação do leste europeu tomar medidas para cumprir as condições restantes do bloco, como reduzir os níveis de corrupção, implementar uma legislação relacionado a lobby alinhada com os padrões da UE (atualmente não possui legislação nenhuma nesse sentido) e melhorar as salvaguardas relacionadas aos direitos das minorias étnicas nacionais.


Na imagem, soldados do Regimento Azov ucraniano, grupo que integra oficialmente as forças de segurança do país e tem sua origem em miícias ultranacionalistas e neonazistas. Fonte: NBC NEWS, "Ukraine's Nazi problem is real, even if Putin's 'denazification' claim isn't", 5 de março de 2022


Tudo isto é um desafio, para dizer o mínimo, mas o último item é particularmente complicado: numa conferência de imprensa com a recentemente nomeada Embaixadora da União Europeia na Ucrânia, Katarina Mathernová, a Vice-Primeira-Ministra da Ucrânia para a Integração Europeia e Euro-Atlântica, Olga Stefanishyna, disse que, nas negociações para garantir os direitos das minorias, a questão da proteção da “minoria russa” sequer aparece, porque, nas palavrasdela, isso nem existe. Segundo ela, a Comissão Europeia tem o mesmo entendimento.


Stefanishyna reconheceu que a questão da garantia dos direitos das minorias em geral será importante no caminho da adesão de Kiev à União Europeia, mas tentou minimizar o assunto, dizendo que o mesmo se aplica a outros países candidatos. Em relação particularmente aos russos, ela disse:

Não existe minoria russa na Ucrânia. Isso não existe! Não existe uma única comunidade legalmente registrada que se identifique como uma minoria russa. Existem ucranianos, alguns dos quais falam russo. Sou de Odessa, falo ucraniano quando quero e falo russo quando quero. E não preciso de ‘moscovitas’ ou da decisão da Comissão de Veneza para fazê-lo” [usando termo pejorativo para se referir aos russos da Federação Russa].

A Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, mais conhecida como Comissão de Veneza, é o órgão consultivo do Conselho da Europa em questões constitucionais, com foco nas peças jurídicas que fazem parte de acordos políticos visando a resolução de conflitos. Tradicionalmente, essa comissão presta muita atenção aos conflitos étnico-políticos. Ela desempenhou um papel importante na confecção das constituições da Bósnia e Herzegovina e do Kosovo, entre outros, e também esteve envolvida em reuniões visando encontrar uma solução para conflitos relativos ao status da Transnístria, da Ossétia do Sul e da Abecásia [países autoproclamados em zonas de conflito que não são reconhecidos como Estados independentes por boa parte da comunidade internacional].


De acordo com o censo da Ucrânia de 2001, que é, até hoje, o único censo do país desde a sua independência em 1991, as pessoas de etnia russa representavam 17,3% da população da Ucrânia - ou seja, mais de 8 milhões de pessoas naquele país identificavam-se assim [como russos]. Historicamente, é um país altamente bilingue (de língua russa e ucraniana), com um elevado grau de casamentos “mistos” e algum espaço para ambiguidade: tradicionalmente, muitas pessoas podiam declarar-se como “russas” ou como “ucranianas” [ao mesmo tempo], não sendo as duas categorias incompatíveis - particularmente no Leste da Ucrânia e na região de Donbass, como mostram todas as sondagens do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS). A revolução ultranacionalista de Maidan, em 2014, na Ucrânia, e a guerra de Donbass, que começou nesse mesmo ano, mudaram isso - aos olhos das autoridades ucranianas, pelo menos.


Seja como for, a Comissão de Veneza também se refere à “Minoria Russa” nas suas recomendações para a Ucrânia, mas a questão aparentemente não pode ser mencionada nas tratativas envolvendo a adesão do país à União Europeia. Um dia antes das observações de Olga Stefanishyna, a Comissão Europeia também havia declarado que não levaria em conta a questão dos “direitos dos falantes de russo”.


Tais observações, vindas de autoridades da Ucrânia pós-Maidan, não são surpreendentes. O próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já declarou que os residentes de Donbass que se consideram russkiy [russos étnicos] deveriam “ir para a Rússia”. De certa forma, o discurso de Kiev sobre não existirem russos no país (mais um desejo do que uma realidade) pode lentamente a tornar-se uma espécie de profecia auto-realizável, uma vez que tal discurso tem alienado milhões dessas pessoas, que anteriormente também se consideravam ucranianas, mas que, mais recentemente, descobriram a nova Ucrânia não os acolhe.


As autoridades ucranianas têm demonstrado repetidamente que Kiev não tem interesse em lidar com a questão dos “russos étnicos” ou dos setores “pró-russos” da população. Volodymyr Ishchenko, pesquisador associado do Instituto de Estudos do Leste Europeu (Freie Universität Berlin) escreve que


"antes de 2014, havia um campo amplo na política do país pedindo uma integração mais estreita com instituições internacionais lideradas pela Rússia, em vez de com aquelas na esfera euro-atlântica, ou mesmo clamando para que a Ucrânia passasse a fazer parte da ‘União da Rússia e Bielorrússia’."

Contudo, isso vem mudando desde a revolução Maidan de 2014 e, mais recentemente, Kiev proibiu todos os partidos políticos considerados “pró-Rússia”. Todos esses itens são bem conhecidos. O que é mais surpreendente, porém, é o fato de as autoridades europeias terem sinalizado que também estão prontas para fazer vista grossa a essas questões.


A recomendação da Comissão Europeia relativa à adesão da Ucrânia faz parte do chamado pacote de expansão ou política de alargamento, que inclui recomendações para a abertura de negociações com a Moldávia e a Bósnia e Herzegovina, além de conceder o status de “candidato” à Geórgia. Curiosamente, todos estes Estados já têm, até certo ponto, relações com a OTAN (NATO, em inglês), a aliança atlântica militar ocidental liderada pelos EUA: a adesão da Bósnia e Herzegovina à Aliança Atlântica está em negociações desde 2008, enquanto a Geórgia também aspira juntar-se a ela. A Moldávia, por sua vez, faz parte do Conselho de Cooperação do Atlântico Norte da OTAN.


É necessário manter em mente que a Declaração emitida na cimeira da OTAN de 2022 em Madrid reconhece um “nível de cooperação sem precedentes com a União Europeia” e promete reforçar a “parceria estratégica” com o bloco. Assim, o actual “alargamento” europeu, que agora inclui oficialmente conversações com a Ucrânia, anda de mãos dadas com o apetite aparentemente ilimitado da OTAN para expandir-se e deve ser visto como o que realmente é, ou seja, parte da política de expansão do Ocidente político liderado pelos EUA e suas políticas visando “cercar” a Rússia, políticas estas que desempenharam um grande papel no desencadeamento do conflito russo-ucraniano desde 2014 até hoje.


Para atingir tais objetivos geopolíticos, o Ocidente parece estar pronto a abandonar quaisquer preocupações com os direitos das minorias na Ucrânia (com o neo-macarthismo russofóbico estando em ascensão na própria Europa) e até mesmo a fechar os olhos para o problema do nacionalismo de extrema-direita e do neo-nazismo ucranianos, como temos visto acontecer repetidamente mais recentemente. Afirmar que isso tudo não passa de “propaganda russa” não mudará o facto de que a Ucrânia tem um problema hoje com o extremismo político interno e com as suas minorias étnicas. Já passou da hora de reconhecer isso.


Nota do Sol da Pátria: Ao invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022, bombardeando Kiev e, posteriormente, anexando territórios, a Rússia abriu uma Caixa de Pandora, desencadeando assim uma guerra catastrófica no continente e abrindo um precedente perigoso para as relações internacionais - o que pode ter incentivado outras potências emergentes a também redesenhar suas fronteiras pela força, como podemos ver hoje nas ações do Azerbaijão em território “de facto” armênio e nas ações mais recentes de Israel na Palestina. Embora critiquemos essa ação russa e a decisão tomada por Putin em fevereiro de 2022, sempre iremos continuar informando e alertando sobre a realidade do neonazismo na Ucrânia, tolerado pelas autoridades locais, desde a revolução Maidan de 2014, que passou a oficialmente considerar como heróis nacionalistas ucranianos Stepan Bandera e os soldados do Exército Insurgente da Ucrânia (UPA), que se aliaram a Hitler e cometeram atos de terrorismo e massacre étnico contra judeus e poloneses - tema que até hoje gera atritos diplomáticos entre Ucrânia e Polônia. Da mesma forma, seguiremos alertando e informando sobre a situação de opressão que a população de Donbass vem vivendo (bombardeada pela Ucrânia desde 2014) bem como sobre o papel dos Estados Unidos e da expansão da OTAN no desencadeamento desse conflito que hoje ameaça a paz mundial.

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