Traduzido e adaptado, pelo próprio autor, de "X (formerly Twitter) now illegal in Brazil amid feud between Elon Musk and a Supreme Court Just" Esta é uma versão mais longa do texto original
O X (anteriormente conhecido como Twitter) foi suspenso, no Brasil, após uma decisão controversa do Superior Tribunal Federal (STF). A questão tem sido descrita como uma “rixa” em andamento entre, de um lado, o dono do X, o bilionário Elon Musk, e, de outro lado, o Juiz Alexandre de Moraes, Ministro do STF. Para entender o que está acontecendo no Brasil, é necessário voltar no tempo, no entanto.
Nas acirradas eleições presidenciais brasileiras de 2023, o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva derrotou, nas urnas, o então Presidente Jair Bolsonaro (de direita radical), que estava concorrendo à reeleição. O próprio Lula já havia sido preso antes por acusações de corrupção, mas teve sua sentença anulada em 2021. Em 1º de janeiro de 2023, Lula foi então empossado como Presidente do Brasil. O fato é que, alguns dias depois, em 8 de janeiro de 2023, uma grande multidão de apoiadores de Bolsonaro invadiu o Palácio do Planalto e outros prédios federais. Muitos atos de vandalismo foram cometidos e, nas palavras de muitos dos próprios manifestantes, o que eles queriam causar era uma "intervenção militar", com base em sua leitura muito peculiar do artigo 142 da Constituição Federal brasileira. Eles estavam protestando contra a posse de Lula e muitos ou a maioria deles acreditavam que a eleição havia sido fraudada ou roubada por Lula. Na ocasião, Bolsonaro encontrava-se em Orlando (Flórida, Estados Unidos), onde já estava desde o final do ano de 2022, antes mesmo de seu mandato como Presidente terminar.
Mais de 1.400 pessoas foram presas e cerca de 84 ficaram feridas (44 policiais militares e 40 manifestantes). Ninguém morreu e nenhum dos manifestantes portava armas de fogo, embora alguns portassem estilingues e instrumentos cortantes. Muitos deles eram idosos e aposentados. O episódio foi, ainda assim, comparado aos protestos de 6 de janeiro (de 2021) no Capitólio dos Estados Unidos.
A maioria das pessoas presas permanece atrás das grades até hoje, tendo sido condenadas por terrorismo — e uma nova e controversa definição de terrorismo foi usada contra elas. Essas pessoas podem pegar até 17 anos de prisão. É o caso de Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, de 67 anos, a "Fátima de Tubarão", que foi de fato condenada a uma pena de 17 anos. A idosa não estava armada e não foi filmada danificando propriedade federal — ela foi, de qualquer forma, acusada de tentar derrubar o estado democrático de direito (Rechtsstaat). Durante os protestos, Fátima foi filmada dizendo coisas como “Vamos para a guerra, é guerra agora. Vamos pegar o Xandão agora” (referindo-se ao Ministro do STF Alexandre de Moraes). O mencionado Ministro do STF tem tido papel fundamental nas duras medidas tomadas contra os chamados “bolsonaristas” - e várias outras medidas medidas polêmicas, geralmente por meio de decisões monocráticas e juridicamente criativas.
Bolsonaro, por sua vez, tem lançado dúvidas sobre o processo eleitoral. Em janeiro daquele ano, no entanto, ele condenou os incidentes de 8 de janeiro; e condenou-os repetidamente, embora muitas vezes em termos ambíguos. Ele ainda lança dúvidas sobre a integridade do processo eleitoral e afirma que as urnas eletrônicas brasileiras não são confiáveis.
Alguns analistas acreditam que Bolsonaro e seus aliados tentaram mesmo um golpe de estado e que havia de fato um risco real de que isso acontecesse. Outros entendem que Bolsonaro e seu grupo apenas esperavam manter uma minoria radicalizada de apoiadores indignada, para que essas pessoas ficassem de prontidão para futuras manifestações intensas contra a presidência de Lula, como uma forma de manter uma base leal e de desestabilizar o novo governo, minando assim sua credibilidade e popularidade. Da mesma forma, o fato de que existiam pessoas que acreditavam que a eleição havia sido roubada, incluindo ali manifestantes vândalos ou violentos (embora sem portar armas) poderia ser usado por Bolsonaro como uma ferramenta política para ter manobra pra negociação ou como "chantagem" política, enquanto Bolsonaro poderia, ao mesmo tempo, dar declarações condenando os atos de de 8 de janeiro (como ele fez mesmo) e, assim, se apresentar como o único que supostamente poderia manter essas pessoas "na rédea", por assim dizer. Verdade seja dita, aposentados radicalizados e indignados, sem armas de fogo, podem causar muitos danos aos prédios federais, mas é difícil sustentar que eles possam ser uma ameaça à Polícia Militar e ao Exército brasileiro ou derrubar o governo - mesmo que muitos deles quisessem mesmo fazer isso e acreditassem que isso seria viável.
Alguns documentos e até mesmo filmagens vieram à tona, indicando que Bolsonaro planejou um golpe. No entanto, embora mostrem que Bolsonaro e seu círculo íntimo de ministros e assessores discutiram possíveis medidas para anular os resultados da eleição de 2022 (de uma forma que só pode ser descrita como antidemocrática), não estava claro o quanto a discussão desses cenários consistia em conspiração real, conforme relata um artigo do Guardian. Diz a matéria:
“durante reuniões convocadas após a derrota eleitoral de Bolsonaro, o líder derrotado [Bolsonaro] apresentou a oficiais militares vários meios supostamente legais de anular as eleições, incluindo a declaração de estado de sítio… [no entanto] Bolsonaro nunca assinou um projeto de decreto que estabelecesse o estado de sítio.”
O ex-Presidente está impedido de concorrer a cargos políticas (até 2030), condenado por ter lançado dúvidas sobre o sistema eleitoral eletrônico brasileiro, mas ainda permanece sendo uma força política no Brasil.
Em todo caso, o magistrado brasileiro Alexandre Moraes sem dúvida transformou a guerra contra a extrema direita brasileira e a própria a defesa da democracia em uma arma, que é por ele usada como uma forma de expandir o poder do judicário e os seus próprios poderes. Suas medidas foram descritas pelos críticos como abuso de poder, e como sendo tendenciosas e autoritárias. Seus simpatizantes, por sua vez, alegam que são medidas necessárias para defender o governo democrático e evitar um golpe. Um artigo do New York Times já em 2023 destacava que Moraes
“prendeu pessoas sem julgamento por postar ameaças nas redes sociais; ajudou a condenar um membro do Congresso em exercício a quase nove anos de prisão por ameaçar o tribunal; ordenou que fossem feitas buscas e operações contra empresários com poucas evidências de irregularidades; suspendeu um governador eleito de seu cargo; e bloqueou unilateralmente dezenas de contas e milhares de postagens nas redes sociais, com praticamente nenhuma transparência ou espaço para recorrer”.
Por anos, o Poder Executivo e o Poder Judiciário estão em queda-de-braço no Brasil. Moraes personifica essa batalha de uma forma mais direta e descarada, porém ele não é nenhuma anomalia. Seja como for, essas são questões que dizem respeito à sociedade brasileira e às autoridades brasileiras. Moraes pode muito bem ser um juiz tendencioso e autoritário em meio a uma cruzada, porém Elon Musk certamente está em uma cruzada própria também - e o bilionário claramente tem uma agenda política própria. Musk, vale lembrar, recusou-se a nomear um representante legal no Brasil e tem descumprido várias ordens judiciais. A hipocrisia das ações do bilionário é ainda mais flagrante se considerarmos o fato de que Musk estava contente em bloquear centenas de contas de mídia social e em cumprir ordens de tirar conteúdo do ar na Turquia e na Índia, por exemplo. Por que não no Brasil? Se a medida controversa de Moraes pode ser usada para lançar dúvidas sobre a segurança jurídica do Brasil, por assim dizer, o descumprimento da parte de Elon Musk das leis locais e ordens judiciais brasileiras também pode lançar dúvidas sobre o bilionário e suas empresas, sem mencionar o papel político que elas podem desempenhar.
Em resumo, a situação do Brasil envolvendo o X (antigo Twitter) tem seu próprio contexto e complexidades (nas quais me debrucei um pouco aqui), contudo pode-se esperar que cenários análogos ocorram em outros países, especialmente em contextos eleitorais, com potenciais consequências políticas e geopolíticas. A verdade é que a maneira como serão reguladas as mídias sociais e a internet como um todo é uma discussão inescapável - não há como fugir dela.
Como escrevi em 2022 (em texto em inglês), vivemos em uma era de guerra de informação, pirataria online, espionagem, pornografia infantil, ataques de hackers, extremismo e operações sofisticadas de lavagem de dinheiro. Em algum momento, a zona caótica da internet deve ser circunscrita sob o signo da lei e da ordem e diferentes países estão considerando como fazê-lo - embora a própria maneira de se fazer isso deixe espaço para muito abuso e controvérsia.
Uriel Araujo, PhD, é antropólogo e pesquisador, com foco em conflitos internacionais e étnicos
As opiniões expostas neste artigo não necessariamente refletem a opinião do Sol da Pátria
Soberania como valor absoluto implicaria aceitar que o Ocidente não tem um arcabouço axiológico comum, advindo das matrizes religiosas que por sua vez industriaram o conceito de dignidade humana, na qual está a liberdade de expressão, o que é chancelado em diversos pactos dos quais o Brasil é signatário. Se soberania fosse um valor absoluto Hitler seria perdoável ao fazer campos de extermínio só dentro da Alemanha. Porém, quem assina este texto eu já conheço. Não está distante, como toda a turma da Quarta Teoria Política, do totalitarismo sob o nome de "democracia social".
Felix Soibelman