As Big Techs (ou grandes multinacionais de tecnologia e redes sociais como Meta, X etc) precisam, ser reguladas (como todas as outras empresas) independentemente de Alexandre de Moraes e seus abusous ou ainda independentemente da confusão institucional atual no país. Ainda que o STF seja um poder usurpador, ainda que a "Democracia Militante" seja um autoritarismo para adiar a queda inevitável da (cada vez mais) ilegítima Nova República, ainda que o Inquérito das Fake News não se adeque ao arcabouço jurídico brasileiro, ainda que tudo isso seja verdade, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa e, repito, as redes sociais devem ser reguladas pelo Estado e devem se submeter às leis - como todo mundo.
Não cabe a Ellon Musk militar contra essas leis. A empresa dele, como todas as outras, tem de se adaptar à legislação dos países em que pretende operar e suas decisões judicias. Ou então deixa de operar nesses países. Simples assim.
Buscar forçar a legislação ou as decisões judiciais ao seu favor é a definição mais óbvia possível de Imperialismo, e é mais ou menos o que as grandes transnacionais e as empresas de grandes potências fazem com países que consideram irrelevantes ou desimportantes desde sempre.
Musk vê o Brasil como uma República de Bananas, cujas instituições tem de se dobrar aos ditames e agendas de oligarcas bilionários como ele. Caso não se dobrem, Musk reivindica o sagrado direito de derrubar essas instituições e/ou seus representantes em nome de algum princípio abstrato ["liberdade", por exemplo] que pouco ou nada tem a ver com o caso.
Cá entre nós, nenhuma liberdade individual dos brasileiras é atingida com o bloqueio do Twitter (que foi tirado do ar por não concordar com decisões judiciais brasileiras): as pessoas podem simplesmente usar outros meios de divulgação de suas ideias, inclusive redes sociais concorrentes. A única coisa realmente atingida com o bloqueio do Twitter é o lucro estratosférico que Musk retira de nossas praias e sertões.
É ingenuidade imaginar que não existam componentes políticos na ação do mega bilionário. Elon Musk tem uma óbvia agenda política associada à nova direita ianque. É um trumpista fanático, por exemplo. E isso é comum também na canalhice imperialista: as transnacionais são apoiadas por determinados Estados, cuja política ajudam a implementar.
Ou seja, se o Brasil se recusa a regular as redes, elas serão ''reguladas'' ou mobiliadas em prol de interesses econômicos gigantescos que se aliam a interesses geopolíticos de grandes potências. É mais do mesmo, nunca foi diferente.
A ideia de que as redes sociais são um terreno anárquico de total liberdade de expressão anárquica sem as amarras da grande mídia é de uma ingenuidade acachapante. A mídia tradicional (TV, Rádios, Jornais etc.) são só meios de ação de grandes interesses políticos e econômicos, mas de modo algum os esgotam. As redes sociais propiciaram o surgimento de novos meios de ação para esses mesmos interesses.
E foi assim desde o início. A esquerda comemorava porque as redes sociais tinham papel preponderante nas Revoluções Coloridas, nas Primaveras Árabes, que nada mais eram que golpes e mudanças de regime incentivadas pelos EUA em um período em que a disputa geopolítica voltava a se acirrar. Naquele momento, a esquerda imaginava as redes como aríetes em prol da democracia e da expansão da civilização ocidental.
A esquerda mainstream, é bom lembrar, não é contrária ao imperialismo. Ela o favorece. Daí seus elogios desmedidos à ''anarquia'' das redes - quando eram usadas para derrubar governantes contrárias às pautas norte-americanas.
Depois que a nova direita usou as mesmas redes para virar o jogo, a esquerda surtou. Imperialismo bom, claro, só o dela, nunca o do Partido Republicano, ou dos reacionários xenófobos europeus, ou ainda da alt-right ianque. Só que, do ponto de vista de um país como o nosso, o Brasil, é tudo imperialismo - venha do Texas ou da Califórnia. São tentativas canhestras de submeter o Brasil a uma política elaborada em gabinetes e reuniões de governos e empresas situadas em outras regiões do planeta.
Não tem diferença também em Lula pedindo à ONU (leia-se, Estados Unidos da América) intervenção internacional contra o governo Bolsonaro; ou a família Bolsonaro pedindo a Trump uma intervenção contra medidas do governo Lula ou do STF alegando estar assim combatendo uma forma de ''totalitarismo". Dá no mesmo, ambos os lados da moeda da política partidária brasileira estão pedindo intervenção estrangeira no nosso país. Um deseja submissão via Partido Republicano, o outro deseja submissão via Partido Democrata.
De nossa parte, não queremos submissão ou intervenção nenhuma.
Os abusos do STF são problemas que os brasileiros têm de resolver. Ou acaso cabe a um réu decidir por si só se concorda com a própria sentença?
E por isso, as redes sociais têm de ser reguladas pelo Estado Nacional - como todas as empresas e todas as atividades civilizadas. Não importa se é o Alexandre de Moraes que está tomando essa atitude (de punir quem descumpre decisões judiciais). Ela, nesse ponto, é correta em princípio, e teria de ser tomado por qualquer governo soberano, seja ele de esquerda, de direita, de centro ou de qualquer outro ponto do espectro político.
Bobajada. Soberania como valor absoluto implicaria aceitar que o Ocidente não tem um arcabouço axiológico comum, advindo das matrizes religiosas que por sua vez industriaram o conceito de dignidade humana, na qual está a liberdade de expressão, o que é chancelado em diversos pactos dos quais o Brasil é signatário. Se soberania fosse um valor absoluto Hitler seria perdoável ao fazer campos de extermínio só dentro da Alemanha. Porém, quem assina este texto eu já conheço. Não está distante, como toda a turma da Quarta Teoria Política, do totalitarismo sob o nome de "democracia social".
Felix Soibelman